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I Congresso de Artistas e Escritores Negros

O Congresso de Artistas e Escritores negros, cuja primeira edição aconteceu em Paris no dia 20 de setembro de 1956, foi reconhecido pela UNESCO como o marco irreversível da ativa presença africana na cultura mundial. Organizado pelo escritor senegalês Alioune Diop, fundador da editora “Présence Africaine”, o Congresso fora apadrinhado pele filósofo francês Jean-Paul Sartre, pelo escritor franco-argelino Albert Camus, pelo escritor francês André Gide, o pintor espanhol Pablo Picasso e a diva haitiana, a cantora e dançarina Josephine Baker.

Os três históricos dias do certame, no Anfiteatro Descartes, da Universidade de Sorbonne, reuniram dezenas de escritores, artistas e pensadores africanos, afro-americanos e afro-europeus e, obviamente, o olhar do mundo sobre o potencial da cultura negra para configurar a cultura universal. Assim, nas sessões plenárias e nas mesas redondas participaram figuras como o poeta senegalês Léopold Sédar Senghor, o poeta martiniquense Aimé Césaire, o escritor nigeriano Wole Soyinka, o psiquiatra martiniquense Frantz Fanon, os escritores norte-americanos James Baldwin e Richard Wright, o historiador senegalês Cheikh Anta Diop, o escritor maliano Amadou Hampaté Bâ, a poeta cubana Nancy Morejón, o pensador malgaxe Édouard Andriantsilaniarivo e o intelectual angolano Mário Pinto de Andrade, entre outros.

As grandes linhas de reflexão e dos debates centravam-se na valorização da cultura produzida por africanos e afrodescendentes, assim como a alienação e o ostracismo cultural que as africanidades estavam devotadas devido o sistema mundial, de matriz ocidental, através do colonialismo e do imperialismo.

Algumas intervenções mais emblemáticas abordaram o racismo e a estrutura de quebra de referências das identidades e das culturas negras. A definição de que a relação colonial, a par da expropriação e do saque, objetiva a subalternização dos esquemas culturais do colonizado. Foi um enorme e transcendente momento de construção e de (re) formulação de discursos que giravam em torno do lugar da cultura negra e do Movimento Negritude na nova ordem mundial, após o fim da II Guerra Mundial.

O impacto do I Congresso de Artistas e Escritores negros foi grande e determinou diretamente a superestrutura das posições anticoloniais nos anos Cinquenta e Sessenta, assim como a primeira leva da descolonização da África e o afrontamento anticolonial dos povos, então colonizados por Portugal, em que o regime do Estado Novo, de matriz fascista, recusava a autodeterminação e a independência das suas possessões ultramarinas.

Claramente, percebe-se a influenciação entre a movida que levará ao I Congresso e os antigos estudantes nacionalistas africanos em torno da Casa dos Estudantes do Império e do Centro de Estudos Africanos, em Portugal, na segunda metade dos anos 40 e a segunda dos anos 50, como Amílcar Cabral, Alda de Espírito Santo, Mário de Andrade, António Agostinho Neto, Noémia de Sousa e Marcelino dos Santos, entre outros, todos intelectuais e estudiosos da cultura e da identidade, muitos deles já participantes das dinâmicas editoriais e culturais da “Présence Africaine”, dirigido por Alioune Diop.

Aliás, não terá sido por acaso a criação do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde, na cidade de Bissau, tendo à frente Amílcar Cabral e a criação do Movimento Popular de Libertação de Angola, na cidade de Luanda, tendo à frente Mário Pinto de Andrade, ambos no ano de 1956.