Finanças, descentralização e coesão são prioridade para os autarcas
Uma nova Lei das Finanças Locais, um balanço da descentralização e a coesão do território são as principais preocupações que autarcas de todo o país levam ao congresso que a Associação Nacional de Municípios realiza no sábado, no Seixal.
Os principais temas do XXVI Congresso da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), que se realiza no Seixal, distrito de Setúbal, são acompanhados pelas principais forças políticas e independentes que gerem os 307 municípios (todos menos o Porto) da ANMP.
Os municípios consideram "urgente" a revisão da Lei das Finanças Locais (LFL) e o reforço da participação das autarquias nos impostos, tendo em vista uma convergência com outros países europeus.
O presidente dos Autarcas Social-Democratas (ASD), Hélder Sousa Silva, destacou que, na União Europeia, os municípios têm uma participação de 17,2% nos impostos do Estado, o que não acontece em Portugal.
O objetivo é que os municípios possam progressivamente alcançar esta meta e que, no caso das freguesias, também possam ter um aumento gradual até 5% em 2027, com um aumento já de 1% no próximo ano.
"Queremos fazê-lo de forma gradual, sendo que, no próximo Orçamento do Estado (OE), queremos passar de 12,6% para 13,4%, o que equivale a um aumento de mais 785 milhões do OE para distribuir pelas autarquias", disse.
Tanto Hélder Silva como Manuel Cordeiro, representante da Associação de Movimentos Autárquicos Independentes (AMAI), consideram necessário rever os critérios de distribuição das verbas pelos municípios.
Manuel Cordeiro, que pela primeira vez tem lugar no Conselho Diretivo da ANMP, invoca "interesse de causa" como presidente do pequeno município de São João da Pesqueira (Viseu) para propor que a revisão da LFL permita "que se faça mais coesão do território", criando uma oportunidade para que dois terços do território, principalmente municípios que não têm capacidade de arrecadar receitas próprias e dependem 70 ou 80% do OE, possam ter uma participação maior nos impostos.
A ideia é subscrita pela presidente da Associação dos Autarcas Socialistas (AAS), Isilda Gomes, que considera que tem de se dar aos "municípios que têm maiores debilidades" a capacidade de "serem, de certo modo, ressarcidos" para "poderem exercer o poder local de uma forma consentânea com aquilo que é exigido hoje".
"Queremos que haja um crescimento harmonioso do país e, por isso, é necessário discutirmos a questão da coesão territorial, nomeadamente as questões relativas à regionalização", defendeu também Paulo Silva (PCP), presidente do Seixal.
Para Isilda Gomes, também presidente da Câmara de Portimão, as preocupações com o financiamento dos municípios ganha ainda mais sentido após a descentralização de competências, para garantir "um trabalho digno e uma melhor prestação de serviços à comunidade".
"Porque a descentralização foi feita exatamente para isso e para que, de facto, nós consigamos responder com a mesma verba às necessidades das pessoas nas áreas que são transferidas", disse.
No que toca à descentralização, Manuel Cordeiro sublinhou que "não se começou muito bem", mas depois dos acordos setoriais assinados entre municípios e Governo "as coisas estão encaminhadas".
"Mas é necessário voltar a reajustar e perceber o que é que ainda não está assim tão bem. Parece-me que o Governo tem essa disponibilidade, para daqui por uns tempos percebermos o que é que temos que alterar ou não", disse.
Também o comunista Paulo Silva, que recebe este congresso, destacou a necessidade de reforçar o municipalismo e o poder local e o seu financiamento, "para dar mais condições às autarquias para poderem desenvolver o seu trabalho".
O autarca destacou que já consegue afirmar "que há uma falta de meios financeiros" para exercer competências, e exemplifica com a área da Educação.
"Nomeadamente o valor dos trabalhadores das escolas, o pessoal não-docente, que, no caso do concelho do Seixal, para 2023 verifica-se um défice superior a dois milhões de euros (MEuro) e que já está a diligenciar junto do Ministério da Educação, porque entende que é fundamental que esse valor seja reposto", disse, destacando que ainda não houve uma resposta do Governo.
O presidente dos Autarcas Social-Democratas destacou ainda "uma lista infindável de assuntos que se mantêm em aberto e que devem ser tratados", como a questão de aquisições no setor local, de limites ao endividamento e a lei dos compromissos, que "obriga a que, quando se arranca com uma obra, haja comprometimento para toda a obra".
"É este garrote que nós temos tido de 20% ao ano ou, excecionalmente, este ano, de 40% do limite máximo de endividamento, que tem limitado sobremaneira muitas autarquias", frisou Hélder Silva.
O também autarca de Mafra sublinhou ainda a iluminação pública e as refeições escolares, onde os municípios continuam a pagar o IVA máximo, acusando o Estado de se "financiar à custa" dos orçamentos municipais".
O Fundo de Apoio Municipal, a taxa de gestão de resíduos e o lançamento das concessões da energia elétrica em baixa tensão, são outros dos temas elencados.
Outra questão adiantada por socialistas e social-democratas é a revisão do estatuto do eleito local e a reposição dos 5% cortados dos vencimentos dos membros dos executivos municipais nos tempos da 'troika'.
"O reconhecimento social do autarca hoje encontra-se nas ruas da amargura e por isso é necessário encontrar medidas e encontrar caminho para os futuros candidatos nas eleições de 2025", disse Hélder Sousa Silva.
Isilda Gomes disse que a reposição do corte de 5% imposto pela 'troika' é uma questão transversal a todos os partidos.
"Nós recebemos agora transferência de competências e temos muito mais competências e exercemos muito mais competências. Eu acho que era altura, era o momento certo, para que nos retirassem esse corte", afirmou.
Isilda Gomes destacou também outras preocupações, como alterações ao pagamento da ADSE dos trabalhadores da administração local, a autonomia do poder local e a necessidade de alterações no Código da Contratação Pública, que está a dificultar a execução atempada do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).
Para a autarca, rigor e transparência são necessários, mas adjudicar uma obra não se consegue antes de um ano e é necessário "algum esforço no sentido de tornar o código da contratação pública mais rápido, com mais eficiência e mais eficácia".
"Faz com que haja uma grande derrapagem em termos de prazos. E nós sabemos que o PRR tem um prazo muito apertado e por isso eu temo que não consigamos pôr as nossas estratégias locais de habitação, por exemplo", disse.