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Oásis

A constante referência ao gravíssimo problema das migrações comporta dois riscos: o primeiro, o da banalização, tornando aceitável o inaceitável; o segundo, a crença de que se trata de um fenómeno moderno.

A História está cheia de migrações, forçadas ou não, e de transferências de populações.

Tivemos no actual território continental português invasões de celtas, romanos, suevos, alanos, vândalos, visigodos e árabes, para falar dos mais visíveis. A nossa posição no extremo da Europa marcava um ponto final nas migrações. A organização política do território implicou a integração de todos esses povos, e bem pode considerar-se um caso de êxito.

Acantonados numa estrita faixa entre um vizinho poderoso e o mar, ainda hoje se discute de onde veio a nossa identidade. Sem fronteiras naturais nem base étnica definida, o que nos faz sentir portugueses?

Sem dúvida a Vontade. Sentimento esse que, ao fim de quase nove séculos, nos faz ter e manter a fronteira mais antiga da Europa.

Portugal é dos poucos países onde, nas regiões fronteiriças, ao dar um pequeno passo, se muda de língua. Não é a regra: basta lembrar o basco ou o catalão, falado dos dois lados da fronteira franco-espanhola. O que, agora, com a adopção oficial dessas línguas, talvez a nível da União Europeia, complicará ainda mais as coisas.

A construção dos Impérios europeus implicou englobar vários povos, com as suas línguas e culturas; a dissolução desses Impérios, por obra dos nacionalismos emergentes no século XIX, levou à redefinição de fronteiras, transferência de populações, constituição de minorias e um sem número de problemas que agora marcaram cruelmente as nossa vidas, como se viu nos Balcãs e é agora se vê na Ucrânia.

Mantendo um velho hábito, políticos sisudos, diplomatas credenciados, militares prestigiados e cientistas encartados definiram o destino dos povos da Europa – sem se dar ao trabalho de lhes perguntar a opinião.

E assim, depois da II Guerra Mundial, milhões de alemães foram expulsos da nova Polónia ou da Checoslováquia, e milhões de húngaros, romenos, ucranianos, italianos, gregos, turcos, sérvios, croatas e outros mais foram lançados nas estradas e caminhos, deixando para trás as suas terras, casas, culturas – e os cemitérios. Para não falar das limpezas étnicas dentro da antiga União Soviética. Adiando problemas que, como se vê, se vão reacendendo, aqui e ali.

Também tivemos a nossa transferência de populações. Para os distraídos, o fenómeno a que se chamou dos “retornados” não foi mais do que uma transferência forçada de populações. Que resolvemos, à nossa maneira, mas que deixou um rasto de traumas e memórias.

Para o comum do portuga, aquelas guerras parecem estranhas, até incompreensíveis. As nossas fronteiras fixadas desde o século XIII, a nossa expansão global, e ainda a actual diáspora, fizeram-nos compreender e aceitar “o outro”, e crer que viver em paz é a ordem natural das coisas.

E aceitamos bem a diferença. Até acarinhamos a língua de uma minoria, o mirandês, em vez de a combater, como se faz noutras paragens, e levamos os regionalismos com bonomia.

O que nos dá o estatuto de um oásis na Europa.