Hoje é o meu dia - texto talvez poético
Sou a mãe de um rapaz/Fui eu que o fiz, brinca o pai.Os testículos do puto, repletos de água quando nasceu, pareceram-me enormes.
Sobre a esfera das bolsas, o pénis repousa, minúsculo. Revê-se a “memória” do passado, receia-se a velhice.
Depois de um jantar de polvo, na ilha distante, ela levanta-se e caminha para a Maternidade na companhia da irmã, enquanto o pai dorme.
Pouco tempo depois ela era a mãe daquele rapaz, que o fez, e assim passei a ter o meu dia, o Dia do Pai.
Lembro-me sempre da força de Simone quando canta “quem faz um filho fá-lo por gosto”.
E passaram-se tempos, ela foi mãe de uma rapariga. O “pai baboso” ficou contente por ser menina.
O Pai, a par com a Mãe, é gerador da vida humana.
O ano passado conheci o meu pai , que me registou incógnito, e beijei-o aquando da sua partida para o outro lado da vida.
Aquele, que nasceu tranquilo nas mãos da tia escreveu-me em 2002 uma dedicatória num livro
“Meu pai;
Sei que por vezes me sentes muito distante. Acho que o capítulo sobre as crianças diz algo sobre isso.
Contudo, espero que saibas, que a distância não implica a ausência do laço.
Preocupo-me, que, por vezes não pares para pensar… Mas sinto enorme orgulho quando vejo que te esforças. /Um grande abraço do teu filho
Caro Filho;
Escreveste há 3 anos, a mostrar preocupação, por eu por vezes não parar para pensar. Este trabalho que deixo, e à tua irmã e aos meus “novos” irmãos é o produto da reflexão que fiz sobre a vida. Sim. Comecei a pensar em nós. Agora tenho a Andorinha comigo, o elo de ligação com o Pai. Valeu a pena a tua mensagem. Um grande abraço do teu pai, que não te quer longe
E nesse dia, a minha nova irmã, mandou-me uma mensagem:
“Hoje é o teu dia. Dia do Pai Joia. Tens filhos, são uns felizardos. Nós, tu e eu, sustentamos o amor do nosso pai com alegria e sem mágoa
Não resistimos à adaptação de um poema de Neruda:/“Sabemos apenas que nascemos,
Sabe-se que na sala /Ou no bosque/Ou no palheiro do bairro piscatório
Ou nos canaviais rumorejantes/Há um estranho silêncio,/Um minuto solene
E uma mulher que vai parir (...)/Um nó é dado com o fio da vida/ Nada ficou na tua memória
Não tens mais recordações /Que a tua vida.”
Hoje é o meu dia, o do Pai, amanhã será o teu, e assim continuará a vida até que para cada um de nós virá o dia da morte.
Há quem diga que a vida e a morte são uma só coisa, como uma só coisa também o rio e o mar.
Pois o que é morrer, se não apresentar-se nu ao vento e dissolver-se ao sol.
“Pai! Quando as horas do findar do dia/A bruma vaga cobre, triste o espaço/E a mim me envolveu na melancolia.
Pai! Diz-me sabes que secreto laço /Me prende, a mim, que vago neste mundo/Triste, avergado sobre o atroz cansaço.
A ti, que pairas lá no céu profundo/Pai! Sou teu filho! – sou teu filho, sinto…/Não me renegues – sou teu filho, oh! Pai…
Vês como eu vago neste labirinto/Perdido, triste, alucinado,
Tal como a nave em que Israel vagou, /E, errou, ao acaso, sobre as águas vai,
Sem saber que força me guiou, /Sem que me guie já vontade alguma, /Nesta derrota que seguindo vou?
Chegou o dia. Filho, /Ficarás de pé/Durante a luz do dia/Passamos os nossos dias/Preparando o teu dia.