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Indignação em França por detenção de jornalista em caso sobre fuga de informação na Defesa

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A detenção em França de uma jornalista, na origem de revelações sobre a alegada utilização de inteligência francesa pelo Egito para matar civis, e a acusação de um ex-militar suspeito de ser a fonte, provocou indignação no país.

Ariane Lavrilleux, colaboradora do jornal de investigação Disclose, foi revistada e colocada sob custódia policial durante quase 40 horas, antes de ser libertada na quarta-feira, sem acusação nesta fase.

O ex-militar, que os tribunais parecem considerar como a sua fonte, foi, por seu lado, acusado esta quinta-feira de apropriação indevida e divulgação de segredos de defesa nacional, dois crimes puníveis com sete anos de prisão e multa de 100 mil euros, noticiou a agência France-Presse (AFP).

Num artigo de novembro de 2021, o Disclose afirmou que a missão de inteligência francesa 'Sirli', iniciada em fevereiro de 2016 em benefício do Egito e em nome da luta contra o terrorismo, foi apropriada pelo Cairo, que utilizou as informações para realizar ataques aéreos sobre veículos de alegados contrabandistas na fronteira entre o Egito e a Líbia.

Segundo documentos confidenciais obtidos pela jornalista e reproduzidos em alguns meios de comunicação, "as forças francesas estiveram alegadamente envolvidas em pelo menos 19 bombardeamentos contra civis, entre 2016 e 2018".

Além deste artigo, a justiça visa Ariane Lavrilleux por outras publicações "sobre vendas de armas francesas no estrangeiro, publicadas nos meios de comunicação social desde 2019", sobretudo relativas à região do Médio Oriente, segundo o Disclose.

Este meio de comunicação cita artigos sobre a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos (EAU) e "a transferência de armas ilícitas dos EAU para a Líbia".

Em França, a "violação do segredo de defesa nacional" abrange a posse, divulgação ou mesmo reprodução de documentos classificados.

O Ministério das Forças Armadas apresentou duas denúncias, em janeiro e novembro de 2021, "na sequência da publicação de artigos no Disclose, incluindo documentos e fotografias que contêm a menção 'Confidentiel Défense' [Confidencial Defesa, em português], bem como elementos suscetíveis de permitir a identificação de agentes de inteligência ", especificou o Ministério Público.

O Egito é um dos principais destinatários do equipamento militar francês. Em 2021, o país ficou em primeiro lugar com 4,5 mil milhões de euros em encomendas de um total de 11,7 mil milhões, impulsionado pela compra de 30 aviões de combate Rafale adicionais, de acordo com um relatório anual ao Parlamento francês.

A detenção e busca na casa da jornalista suscitou uma onda de indignação entre profissionais da comunicação social e entre organizações não-governamentais (ONG) como a Repórteres Sem Fronteiras (RSF) e a Amnistia Internacional, que a veem como uma ameaça ao sigilo das fontes.

"Se não protegermos as fontes, será o fim do jornalismo", insistiu Ariane Lavrilleux, durante uma conferência de imprensa esta quinta-feira na sede da RSF, em Paris.

Esta indignação contrasta com o silêncio do governo. O seu porta-voz, Olivier Véran, recusou-se esta quarta-feira a responder a várias perguntas sobre este caso, durante a conferência do Conselho de Ministros.

Questionado pela AFP, o Estado-Maior francês, por sua vez, não quis fazer "qualquer comentário" sobre as conclusões da investigação interna anunciada na altura pelo Ministério das Forças Armadas para "verificar se as regras foram bem aplicadas" pelo parceiro egípcio em torno da operação "Sirli", que deveria responder à "luta contra o terrorismo, com exclusão das questões internas".

Por sua vez, a ministra da Cultura francesa, Rima Abdul Malak, realçou que "defende sempre a liberdade de imprensa", mas afirma que nunca comenta "processos judiciais em curso", de acordo com uma nota divulgada à AFP pelo seu gabinete.