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Carta ao SARS CoV 2

Caro vírus, (permite que te trate desta forma mais familiar, mas como tu entraste pelas nossas casas dentro assim como se fosses mesmo de casa, então o trato não poderia ser outro), tu és tramado!

Primeiro espalhas-te assustando o mundo de uma forma nunca dantes vista, provocas um caos nunca dantes imaginado, colocas a palavra medo no cume das conversas e fechas quase todas as actividades económicas que não estivessem de alguma forma conectadas com a sua contenção.

Sim, porque tu precisavas de ser contido, seu malandro duma figa.

Confinaste, espartilhaste, destroçaste a economia de uma forma que os melhores teóricos não tinham sequer cogitado.

E o mundo reagiu!

Isolando-se, isolando a sociedade com o medo que tu provocaste.

Mais do que muitas vezes se disse que a humanidade não te iria vencer!

Iria ultrapassar-te!

Iria ultrapassar tudo o que de mal tinhas provocado.

E para a história o que ficarão são os números: largas dezenas de milhões de pessoas foram infectados por ti e provocaste milhões de mortes que poderiam ter sido evitadas se tu não tivesses tido essa mania de te espalhar por todo o mundo.

Mania das grandezas é o que é!

Mas afinal o que é que de novo trouxeste tu, seu espalha-brasas do inferno? (como és da casa, aguentas bem alguns impropérios).

Trouxeste coisas a que não estávamos habituados para o rolar do nosso dia-a-dia e que destrambelharam o nosso viver. E não foi só cá em casa! Com essa mania das grandezas (até pareces português e não chinês, como dizem que é de onde vens!) trouxeste o confinamento, aquela coisa que nos prendeu nos domicílios durante uma caterva de meses seguidos e, pior, em dois anos seguidos, o que foi muito chato para toda a gente. Trouxeste ansiedade, depressão e outras coisas mais que só o tempo poderá curar, e deixaste mazelas, ou sequelas, se quisermos ser mais apurados, estas mais difíceis de remediar só com o passar do tempo.

Mas, por outro lado, trouxeste também o distanciamento, a cortesia forçada nos cumprimentos à distância (apesar do mau que é não poder beijar ou abraçar quem nos é querido) comportamentos que ajudaram o suficiente para te impedir de espalhar ainda mais as tuas espículas venenosas.

As estruturas sanitárias, através dos confinamentos que se fizeram um pouco por todo o mundo, foram capazes de ir respondendo às necessidades, fazendo com que o aplanar da curva de contágio fosse eficaz e se tornasse num instrumento de análise decisória para as futuras medidas sanitário/confinantes.

Mas, como já disse, a humanidade ultrapassou-te, deixaste de ser uma ameaça premente, e passaste a ser uma visita indesejável mas esporádica.

Lembro-me de muita gente pensar que, apesar de todo o mal que tinhas causado, pelo menos tinhas deixado algo de bom: as pessoas passariam a respeitarem-se nas filas, nos comportamentos diários de cortesia e boa educação, porque se habituaram a fazê-lo enquanto tu eras rei.

Chegou então a hora de pensar em desconfinar baseando as decisões de abertura somente nos dados que se foram obtendo e que poderiam ter significado estatístico, porque nestas coisas de Saúde Pública, as estatísticas são quem manda. Avançou-se então para um desconfinamento pretensamente saudável deixando para trás o medo que tinha sido o comandante das nossas acções. Mas esqueceram-se da educação!

E, como de costume, a realidade ultrapassou a ficção!

Aquilo que poderíamos pensar que tinha sido aprendido durante os períodos em que fomos “obrigados” a isso, a cortesia, o distanciar-se o suficiente para não contagiar nem ser contagiado, tudo isso foi rapidamente esquecido. Voltou o atropelo, a má educação, a falta de respeito no trato dos concidadãos, a desconsideração por quem não se quer sentir estar a ser vigiado pela pessoa que está logo atrás na fila do supermercado ou da farmácia, etc., etc., etc.

Um pequeno exemplo, caro vírus: tu sabes bem que os ginásios são locais onde te podes propagar com algum à vontade. Chegas, olhas e força que aqui vai disto! Uma tosse aqui, um espirro ali e, em menos de um fósforo já infectaste meia dúzia, que por sua vez vão para casa infectar outra meia dúzia e por aí adiante. Ora, durante os confinamentos, os “ginasistas” deviam “desinfectar”, ou pelo menos limpar, os aparelhos que tinham acabado de utilizar, por forma a que não te propagarem para o cliente seguinte.

Mas não, nada disso! Deixaram de fazer como tinham feito enquanto eras tu a mandar nas hostes, e voltou o desrespeito, como acontece, por exemplo, num ginásio propriedade de um conhecido clube de actividades náuticas da nossa cidade do Funchal, do qual sou sócio, com a complacência dos seus (i)responsáveis que deveriam ser os responsáveis pela salvaguarda do nosso bem-estar, não só físico, mas também infeccioso, mas que se abstêm dessa responsabilidade dando azo a que possas, caro vírus, actuar impunemente.

Tudo certo, ficaste chateado, mas sabias mais que nós! Sabias que o ser humano é estúpido por natureza e que quando tudo voltasse ao normal, tudo seria igual ou pior ao que era antes, e acertaste na mouche! O respeito pelos outros anda pelas horas da amargura, não só nos ginásios, mas um pouco por todo o lado, voltando os apertos, a tentativa de “dar o golpe” nas filas onde os incautos esperam educadamente pela sua vez, pois há sempre um mais “esperto” que os outros.

E nem quero falar dos turistas que enxameiam por tudo o que é canto!

Pensávamos que a educação iria ser duradoura, mas como sempre que um comportamento é imposto pelas circunstâncias e não assumido como sendo o mais correcto, a sua durabilidade é efémera nesta santa terra de Deus.

Por isso, caro vírus, tinhas razão quando sabias que os teus efeitos nefastos iriam durar de uma forma ou de outra. Se te tornaste mais fraco em termos epidémicos, deixaste uma marca indelével de má educação que durará sabe-se lá até quando, e só possível porque a estupidez humana é um campo sempre aberto às espículas que tu lanças seja através da doença directa ou dos comportamentos que indirectamente provocas.

Não desejo, meu caro vírus, que regresses, já que nunca verdadeiramente foste (senão farias parte do famoso “o regresso dos que nunca foram”), mas que ensines, ou voltes a ensinar, que o distanciamento e a cortesia não são um mal em si, antes pelo contrário, e que é com cortesia e boa educação que poderemos evitar ter de voltar a usar máscaras para poder, mais uma vez, te conter.

Não te vou dizer aquele “volta que estás perdoado”, mas se deixares mais um sustozinho pode ser que os humanos se convençam que só podem ultrapassar-te e vencer-te (aliás, isto é verdade para qualquer doença, física ou mental, que dependa dos comportamentos), se se comportarem com respeito e cortesia uns para com os outros!

E esta é uma verdade em qualquer área das relações humanas!