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ONG tenta reverter impacto da crise e da migração nas crianças venezuelanas

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Foto AFP

A crise na Venezuela e a migração forçada estão a causar ansiedade, depressão e dificuldades de aprendizagem nas crianças venezuelanas, situação que estará a afetar entre 10% a 12% dos alunos das salas de aulas do país.

O diagnóstico é traçado pela 'Aprende Más', uma organização não-governamental (ONG) que tem concentrado esforços na prevenção destas situações, lutando nomeadamente contra o abandono escolar. Impedir que as crianças e jovens venezuelanos façam parte do ciclo da pobreza ou da violência é outras das prioridades da organização.

"Temos crianças em que os pais partiram ou que sofreram a morte de um membro da família. Muitas crianças na Venezuela estão de luto, a viver luto e depressão, emoções que manifestam com choro nas escolas e inclusive com isolamento", relatou à agência Lusa a presidente da ONG.

Segundo Sílvia Caballero, nas escolas venezuelanas existem as chamadas "crianças invisíveis", menores que apresentam mau comportamento, encarados como intensos, malcriados e desrespeitosos, cujas dificuldades de aprendizagem não são identificadas a tempo, nem acompanhadas da forma mais adequada.

Em muitos dos casos, este perfil acaba por ser normalizado tanto em casa como na escola.

"Há estudos que apontam que são entre 10% a 12%, que numa sala de aula com 30 crianças podem estar 3 a 5 crianças com dificuldades de aprendizagem que passam por dificuldades de neurodesenvolvimento que não são atendidas a tempo, e que acabam por abandonar o sistema escolar, jovens vulneráveis que terminam por fazer parte do circuito da pobreza", afirmou.

Fundada em 2018, a 'Aprende Más' está empenhada em colmatar estas lacunas, apostando na prevenção para influenciar o sistema de saúde pública e o sistema educativo, de forma a evitar que este tipo de dificuldades aumentem e se transformem em doenças mentais, exclusão, violência e pobreza.

"As escolas e os professores não estão preparados (...) isso tornou-se mais claro no pós-pandemia (da covid-19). Na Venezuela não temos centros específicos para estas populações, há uma lei muito recente que trata do autismo, mas que deixou de fora todas as outras dificuldades de neurodesenvolvimento", explicou à Lusa a representante da 'Aprende Más'.

E acrescentou: "Não há atenção suficiente na parte pública e na parte privada, porque têm todas a noção das dificuldades, do que significam os custos".

À Lusa, Sílvia Caballero explicou que a 'Aprende Más' é um centro de aprendizagem integral que procura detetar e acompanhar as crianças e jovens em questões cognitivas, sociais e emocionais.

A ONG também desenvolve programas psicoeducativos direcionados para pais e professores.

A psicóloga clínica Victoria Jiménez, que integra igualmente a 'Aprende Más', explicou também à Lusa que a organização acompanha e orienta casos complexos como luto, abuso, violência, depressão e ansiedade.

"Estamos a testemunhar sobretudo situações de grande ansiedade, sobretudo social, que inicialmente se pensava que fossem causadas pela pandemia, mas que ao ir mais longe, vemos que também existe stress pós-traumático na maioria das crianças. No caso da Venezuela, o apagão nacional (de 07 a 14 de março 2019) e as situações de violência, a crise social e económica afetou muitíssimo as crianças", afirmou.

"Ao olhar em profundidade para cada criança, apercebemo-nos de situações complexas, traumáticas, que não foram tratadas (...). Assim estão também os professores, os pais, e a população em geral", prosseguiu a psicóloga.

De acordo com a especialista, a ONG acompanha casos socioemocionais que estão associados "a situações cognitivas complexas, dificuldades de raciocínio e questões cognitivas".

Recordou, nomeadamente, que durante a pandemia as crianças foram afastadas dos espaços de socialização durante mais de um ano e os pais assumiram a educação, o que implicou um desnível de desenvolvimento académico, social e emocional.

Segundo Victoria Jiménez é "uma situação bastante complexa" para à qual a 'Aprende Más' tem procurado encontrar respostas, sem esperar, admitiu a especialista, que as crianças acudam à terapia.

O importante é que os menores frequentem o centro de aprendizagem integral, onde cada caso é avaliado e onde são oferecidas as ferramentas adequadas para cada situação.

"Damos poder às crianças, para que sejam atores ativos, rompemos o paradigma do sujeito paciente ou doente (...). Uma criança que participa, que socializa e partilha as suas estratégias, e que influencia os colegas", concluiu.