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Arraial

Em época de arraiais, festivais e veraneio, os madeirenses têm neste verão mais um “arraial” agregado, relativo às vindouras eleições legislativas regionais. Normalmente esta “festividade democrática” não descamba em bebedeiras, nem agressões a polícias, como se vai ouvindo. No máximo há aqueles meninos-queixinhas entre as várias candidaturas, sobretudo naqueles potenciais ganhos de secretaria, quais vitórias de Pirro, que são sempre uma prova de vida noticiada, que adorna o ramo seco dos promotores. Prova disso, que muita azia provocou, foi aquela queixa, alvo de improcedência por parte do Tribunal Constitucional, que pretendia arredar um dos partidos da contenda eleitoral regional.

O ritual está montado sob a provedoria paternalista da Comissão Nacional de Eleições (CNE), que desperta da letargia nestas ocasiões eleitorais, para que toda a etiqueta formal, decorra segundo os ditames da lei eleitoral, com a habitual dose de hipocrisia, infantilidade e anacronismo que o legislador insiste manter.

Depois da fanfarra, das pancadinhas nas costas e dos sorrisos dissimulados, haverá o dia da decretada reflexão, tal como há uns bons anos atrás, o Vitinho, no canal único, lembrava à pequenada após os serões semanais, que eram horas de recolher à cama. Assim, guiados pela mão paternal da CNE, os portugueses de maioridade, são obedientemente induzidos àquele dia de jejum propagandístico, tal como os touros conduzidos aos curros, depois da lide tauromáquica portuguesa.

No dia seguinte, o cerimonial prosseguirá. Eleitores ainda ensopados da reflexão do dia anterior, dirigir-se-ão às mesas de voto, gratos pelo ambiente reflexivo proporcionado pelo Estado. O entusiasmo motivado pela proximidade travada com os simpáticos candidatos nos dias anteriores entre arruadas, toques na campainha de casa a espalharem charme, marketing e efémera simpatia, é de efeito suave. Passado todo o ritual festivo, perder-se-á aquele elo de proximidade; a aparente familiaridade e logo, os entronizados ganhadores, já divinizados, recolherão ao Olimpo da representatividade, naturalmente distantes e inalcançáveis.

À necessária evolução da autonomia regional e destas comunidades insulares que “fazem” Portugal todos os dias, nestes pontos atlânticos, como a revisão efetiva da Lei de Finanças Regionais; a extinção do cargo não-eleito de Representante da República e o desconto direto pago à cabeça do subsídio de mobilidade aérea, ainda nada se perfila.

De notar que este país, que tanto nómada digital acolhe, não cria condições técnicas para a votação eletrónica dos seus cidadãos. O provincianismo naquilo que efetivamente conta, ainda ganha ao mundo da digitalização que parece ser a panaceia da humanidade. O “Admirável Mundo Novo” de Aldous Huxley não passa de um belo romance que solidifica o (pátrio) conformismo da estante.

Que vindimem bem até à lavagem dos cestos a 24. Mas com a prévia reflexão.