Milhares de mulheres passam a noite em vigília junto ao Palácio La Moneda
Cerca de 12 mil mulheres, vestidas de preto, com velas nas mãos, fizeram uma vigília, numa simbólica proteção do Palácio La Moneda, bombardeada há 50 anos, durante o golpe de Estado de Pinochet.
"Solidarizamo-nos com as pessoas executadas, desaparecidas, torturadas e exiladas, até hoje sem justiça. O movimento de mulheres foi muito importante contra a ditadura e agora lidera a exigência de justiça contra a impunidade dos delitos cometidos durante a ditadura", indica à Lusa Lídia Massardo, de 57 anos.
Sob o lema "Nunca Mais", uma maré feminina cercou o Palácio La Moneda, a sede do Governo do Chile, bombardeada a mando do ditador Augusto Pinochet, num grau de destruição que estarreceu o mundo.
Dentro do Palácio, o presidente socialista Salvador Allende, democraticamente eleito, preferiu dar um tiro na cabeça com a espingarda que lhe tinha sido oferecida pelo líder cubano Fidel Castro, do que render-se.
A manifestação, que simbolicamente visa proteger a democracia, realizou-se em silêncio, quebrado de vez em quando por palavras de ordem emocionadas.
"As mulheres foram muito prejudicadas - foram mães, esposas e filhas de presos, desaparecidos e mortos pela ditadura. Ocupamos um papel fundamental na família, núcleo fundamental da sociedade e sobre cada uma de nós, houve um peso tremendo de dor", desabafa Lidia.
Os milhares de velas femininas visavam também "iluminar" o caminho dos que se foram e pedir que a Justiça abandone a cegueira.
"Cresci em democracia, mas no colégio nunca nos ensinaram corretamente o que aconteceu. Até há pouco tempo, não se falava de 'golpe militar', mas de 'pronunciamento militar'. Para algumas famílias, o assunto era tabu. Crescemos com o costume de que, à mesa, não se falava de política nem de religião. Só agora a verdade começa a surgir com mais naturalidade", explica à Lusa Melissa Leyton, de 33 anos.
Segundo esta manifestante, havia medo e censura durante a democracia e o plano elaborado por Pinochet funcionou perfeitamente e ninguém pagou pelo que fez.
Augusto Pinochet deixou o governo em 1990, ao ser derrotado num plebiscito em 1988, mas não perdeu o poder. Manteve-se como chefe do Exército, um cargo com autonomia dos demais poderes da República e depois tornou-se senador vitalício, cargo criado por ele para manter o poder e a impunidade. Morreu em 2006 sem ser condenado.
"E é por isso que ainda está tudo muito vivo, porque 50 anos depois não há justiça. Todos nós procuraremos pelos nossos parentes desaparecidos até o último dos nossos dias. Isso é vital. Se quisermos avançar, tem de haver justiça. Para se perdoar, é preciso a verdade, caso contrário, isto vai-se arrastar eternamente", diz Melissa.
As pequenas chamas das velas também representam essa esperança por encontrar os 1.162 desaparecidos que ainda não foram encontrados.
A 21 de agosto, o supremo tribunal condenou três agentes da antiga Direção de Inteligência Nacional (DINA), a polícia secreta de Pinochet, por aplicarem torturas de violência sexual num centro clandestino de prisão, tortura e morte conhecido como "Venda sexy".
Segundo o Ministério da Mulher, 3.399 mulheres declararam ter sofrido violência sexual durante torturas cometidas durante a ditadura.
A deputada Gloria Naveillán, do partido Social Cristão, classificou as denúncias de abuso sexual como um "mito urbano".
"É muito difícil avançar como sociedade com líderes deste tipo. É uma perversão, uma negação. Essas mulheres foram violadas e abusadas sexualmente. Sofreram violência sistemática mas, por serem mulheres, não podiam falar", indigna-se Melissa.
Triana Suárez, de 68 anos, conta à Lusa que manifestações como esta mostram como as chilenas são capazes de dizer o que querem e como querem.
"São as mulheres que levaram contenção ao interior de famílias afetadas pela ditadura. Mantivemos a memória viva e, quando os chilenos saíram às ruas contra o regime, as mulheres eram a maioria", sublinha Triana.
Em 17 anos, o regime de Pinochet deixou um saldo de 38.254 mil torturados e de 3.216 mortos, além de uma ferida ainda em carne viva na sociedade chilena.