A Utopia da Oposição
E o PS, o meu PS, poderia aproveitar os seus melhores para mostrar aos madeirenses que 2019 não foi um erro de percurso, nem uma ilusão eleitoral circunstancial
Ao longo dos próximos dias serão apresentadas as listas candidatas às eleições regionais e, com isso, os partidos darão rosto às medidas que defenderão nos respectivos programas. É um momento decisivo para o desfecho final. A História política da Madeira escreve-se, desde 1976, sempre da mesma forma: nas sucessivas eleições regionais, ganhou sempre o PSD, que nos governa há 47 anos sem alternância – praticamente o mesmo tempo que a ditadura durou. Para alguns, é o reflexo soberano da escolha democrática e esclarecida dos madeirenses; para outros, o resultado de um conjunto de condicionamentos políticos, sociais, culturais e económicos quase inultrapassáveis e que afectam decisivamente as eleições, tornando a missão da oposição praticamente impossível. Passados tantos anos, é importante que sejamos capazes de olhar para as lições do passado e construir projectos mais ambiciosos para o futuro.
Em 2015, perante uma oportunidade única para afirmar-se após a saída de cena de Alberto João Jardim, a oposição demonstrou-se incapaz de construir uma solução de consenso que permitisse repetir a fórmula de 2013 que venceu Câmaras e Juntas ao PSD - e as condições eram inéditas não apenas como resultado directo da saída de Jardim, mas também pela luta fratricida que se instalou no interior do PSD, com reflexos externos evidentes. Perdidos entre escolhas individuais de protagonistas e ambições partidárias irrealistas, no final tudo o que restou foi uma nova maioria absoluta, liderada por Miguel Albuquerque.
Em 2019, a oportunidade construiu-se: Albuquerque vinha de um resultado autárquico fraco em 2017, Paulo Cafôfo de uma vitória contundente no Funchal e o PS Madeira, liderado por Emanuel Câmara, gerou uma dinâmica vencedora que procurou capitalizar o resultado do seu trabalho, interno e nas autarquias, para vencer as eleições regionais. Não ganhámos, é certo, mas foi possível retirar a maioria absoluta ao PSD pela primeira vez e, mais importante ainda, obter uma maioria social muito expressiva de rejeição à governação. O resto da história já todos sabemos: quem sempre foi oposição, o CDS, passou para o lado da governação e aqui chegámos. Mas houve mais lições: narrativas alternativas às que se concentraram mais em atingir o PS do que o PSD entre 2017 e 2019 poderiam ter contribuído de outra forma; uma maior estabilidade interna e projecção externa local poderiam ter beneficiado o PS; uma melhor pré e campanha, entre muitos outros aspectos. Todos os pormenores contaram na hora decisiva, quando um deputado apenas fez toda a diferença na História política regional. No pós-eleições, outras lições, a começar pela narrativa: quando o PS devia ter-se afirmado pela positiva, construindo, a partir desse resultado e do que lhe deu sustento, um ainda melhor em 2023, convicto dessa futura vitória, alguns optaram por fazer esse projecto ruir e hoje sobra pouco mais do que acrescentos e remendos.
Chegados aqui, o que é então possível esperar da oposição? Uma utopia. A Madeira não está, de facto, condenada a escolher a coligação PSD/CDS, que confirma que Albuquerque, Calado, Barreto e Rodrigues pensam todos igual e no mesmo, mas que os madeirenses preferem ignorar. E também não está condenada a, insatisfeita, escolher à direita, entre um grupo de ex-tudo, permanentes oportunistas, que compõem a agremiação do Chega, e um grupo de futuro libertário, que se opõe a tudo à direita e à esquerda. Há solução à esquerda. Em toda a esquerda.
O PCP poderia abandonar a narrativa que nivela PSD e PS, numa Região sempre governada pelo PSD, e que teima em confundir quem nunca governou com quem governa, amarrados a opções nacionais que nada dizem aos madeirenses. E poderia fazê-lo renovando-se, porque tem, entre os seus, gente tão capaz como o Edgar Silva. O Ricardo Lume, na Assembleia Regional, e a Herlanda Amado, na Assembleia Municipal do Funchal, são bons exemplos de preparação e capacidade de combate político.
O BE poderia aproveitar o embalo do regresso de Roberto Almada, figura maior do seu partido, depois de Paulo Martins e Guida Vieira, para reunir à sua volta os seus melhores, entre os quais Rodrigo Trancoso e uma nova geração de quadros injusta e altamente penalizada pelos resultados eleitorais recentes. Gente séria, abnegada, que lutou muito sem pedir em troca.
O JPP poderia pacificar-se e transformar em votos e deputados o reconhecimento que muitos madeirenses fazem do seu trabalho de oposição na Assembleia Regional e de governação na Câmara de Santa Cruz. Filipe Sousa é inequivocamente a figura maior do JPP e Élvio Sousa um dos protagonistas principais da Assembleia Regional. Um, outro e todos os que os rodeiam, se juntos, apresentar-se-iam ao eleitorado com credibilidade suficiente para ajudarem a mostrar aos eleitores que há mesmo uma Madeira melhor possível.
E o PS, o meu PS, poderia aproveitar os seus melhores para mostrar aos madeirenses que 2019 não foi um erro de percurso, nem uma ilusão eleitoral circunstancial. Não! Não foi um acaso; foi o resultado de muito trabalho, de muita gente, que é Socialista e representa uma óptima alternativa para o futuro da Região. Um partido que não rejeita as características do Paulo Cafôfo, mas que também não recusa as de liderança do Emanuel Câmara; as capacidades técnicas e combativas do Carlos Pereira; as de planeamento e gestão do Miguel Gouveia; as de competência autárquica do Ricardo Franco; as de mobilização do Olavo Câmara; as de experiência nacional e internacional do Bernardo Trindade e da Liliana Rodrigues; e as de inovação da nova geração, da Marina Barbosa, da Sara Silva, do Pedro Calaça e do João Melim. Entre muitos outros, o PS tem protagonistas de primeira linha suficientes para, se convocados pelo Sérgio Gonçalves, mobilizarem novamente a Madeira para uma alternativa. É certo que o PS precisa da sociedade civil para crescer, mas um PS assim tem mais para ensinar a quem governa do que para aprender. Não mudei aquilo em que acredito: o problema histórico do PS é mais de escolhas - de pessoas e estratégicas - do que de falta de protagonistas capazes.
Não sei o que fará o PS. Não sei que candidatos escolherá, nem que ideias apresentará. Sei ainda menos sobre o que farão os outros partidos. Mas sei que muitos madeirenses como eu, preocupados com a possibilidade de voltarem a ter o PSD a governar com maioria absoluta - com tudo o que isso significa para a qualidade da vida democrática na Região, que já não é famosa; e com tudo o que isso representa para a inexistente igualdade de oportunidades -, o que querem mesmo é poderem continuar a acreditar na cada vez mais utópica visão de uma oposição que se apresente a eleições no seu melhor: nos diferentes partidos e nos diferentes projectos. Uma oposição capaz de agregar, mobilizar e demonstrar aos madeirenses que há outro caminho possível - que não é pior, é muito melhor do que o do PSD, como sempre temos feito onde e quando governamos.
Será pedir demasiado? Se todos conhecemos exemplos do impossível que se tornou possível, concretize-se então, de uma vez por todas, a maior utopia da vida política regional: a alternância democrática que leve, finalmente, a oposição a governar a Região.