Utopia de Francisco
A Lisboa o Papa Francisco trouxe uma proposta de reflexão que fica para a História. Por mim, do que fica desta Jornada Mundial de Juventude, destacaria a beleza, a profundidade e a acutilância do discurso proferido no CCB, no passado dia 2 de agosto.
Francisco avocou a escrita de Camões, Pessoa, Sophia, Daniel Faria e Saramago. De Saramago o Papa escolheu a chave de leitura para interpretar os sinais dos tempos e explicitar desafios: «o que dá verdadeiro sentido ao encontro é a procura, e é preciso percorrer um longo caminho para chegar ao que está próximo» (Todos os Nomes, 1977).
Em Saramago o Papa Francisco encontrou a chave interpretativa para a procura do que não temos, para o que está em falta. E as suas palavras ecoaram como um tumulto que pode abalar a ordem do universo.
Em lugar da palavra que apavora, em contraposição aos alarmismos, o Papa Francisco desenhou a exigência das perguntas. Onde fedem as pestilências da cultura da morte, escavou uma saída. Até onde chega a noite, lançou um fio de esperança. Ante a terra devastada, projetou um movimento de vida, uma espécie de caudal. Apontou os «conflitos que ensanguentam o mundo» e fez ecoar suplicas e um clamor de paz, como se fosse uma exigência, uma urgência para o agir.
Os radares assinalam na Europa vozes alucinadas, de intolerâncias. Sentimos o perigo, o frio, o declive, a cegueira em nossas ruas, «o declínio da vontade de viver». Na desordem das injustiças e na solidão sem causa, no caminho às cegas, o vento interroga os monólogos sobre o futuro.
Francisco abre fendas nas cidades cheias de medo, de desesperança. Propõe uma União Europeia a salvo dos especuladores, a Europa salva-vidas, capaz de abrigar, mestra no acolher, lugar de amparo e de ousadas formas de tecer laços de humanismo, e na arte de persuadir o mundo para a paz.
O Papa Francisco protagoniza uma outra Europa capaz de ser a portadora do azimute para «rotas corajosas para a paz», não só «para extinguir focos de guerra», mas com o papel «construtor de pontes e de pacificador». Neste sentido usa o seu engenho para «acender luzes de esperança». É a utopia geoestratégica de Francisco.
Do diário francês Liberation e da recente entrevista com o historiador Charles Mercier roubo o conceito de “utopia geoestratégica” para dizer a força profética da palavra do Papa Francisco nesta Jornada Mundial da Juventude de 2023. Para lá de todas as fronteiras, por largo tempo, ecoará a sua incómoda palavra e o desassossego que nos trouxe.