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Relâmpagos

Agosto, com este mormaço infernal, salvo seja, caminha para os seus últimos dias. Dizes que metade da cidade anda de férias, mas esta é uma manhã com a rotina pacata de escrita. A narrativa precisa ser contida, dizes, nos versos, cânticos e hinos, não tem de ser criativa, mas fática e factual, sobretudo certeira contra os pequenos deuses, aqui e alhures, na choca vertiginosa do ovo da serpente.

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Cai, com estrondo, a bolsa de valores da ética pública. E as susceptibilidades da aldeia ficam paranóicas, prognosticando fantasmas em cada esquina. Os seus mercenários fazem das tripas coração, inclusive pelas redes sociais, para desacreditar os poucos que ousam gritar o rei vai nu. O regime, mesmo aquele que se arvora democrático, tem fobia do renascimento cívico. Premissa válida para todo o lugar...e tempo.

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A cada estrondo e o seu silêncio, a cada raio e a sua escuridão, sobram para a Poesia recolher os resíduos dos dias. O abstrato do pensamento e o substrato da palavra são começo, por que também fim, de tudo. O que nos salva?

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Monstros, há muitos e temo-los desde sempre. E a política, infelizmente, é o seu grande habitat. Não os procuremos nos labirintos, pois saltam à vista nas telas da televisão e nas manchetes dos jornais, assim como perturbam a nossa atenção em tudo. Exceções, que as há, naturalmente. Quem, na marinhagem, encontrar aves tão raras, avise a navegação. É que, realmente, mudando ou não a maré, navegar continua a ser preciso...

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Por estes dias. Dou de caras no supermercado com um dos nossos pequenos deuses e ambos, em mesuras circunstanciais, amaldiçoamos a coincidência do encontro, por sinal na secção das frutas. Vaidade exacerbada, oportunismo solto e hipocrisia transbordante, como encaro esses pequenos deuses. No caso, tal qual a raposa de Esopo, a criatura também apreciava as uvas doces. Credo! Presumo que, por estes dias, só a Poesia nos salva...