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“Casa de Alterne”

O profundo pesadelo demográfico com que o nosso país se vê confrontado nos dias de hoje tem se tornado num problema cada vez mais estrutural que carece de soluções realistas e racionais, tendo sempre como base os princípios e valores humanísticos e progressistas que garantem o respeito pela dignidade básica da pessoa humana.

A repudiante expressão que dá título a este artigo é de André Ventura proferida no recente debate do Estado da Nação, a propósito da entrada de imigrantes em Portugal, contribuindo mais uma vez para a decadência da política portuguesa. Era de esperar que com o passar do tempo o Chega degradasse ainda mais os seus argumentos políticos e fosse assimilando o seu discurso aos congéneres europeus contribuindo para a polarização do debate através da criação de clivagens na sociedade.

É característica indestrinçável dos radicais populistas de direita a visão de que a imigração constitui um perigo existencial à Nação e à ordem natural, alimentando a tese de que em cada imigrante existe uma ameaça ao Estado-Nação homogéneo, e é por isso importante afastarmos esta cortina de fundo utilizada pelos populistas que instiga ao ódio e semeia o medo.

Verdade seja dita, Portugal sempre foi e continuará a ser um país de emigrantes e é inconcebível que nós sejamos tão pouco solidários para com quem nos procure em busca de uma vida onde possam prosperar e ter a possibilidade de lutar pelos seus sonhos.

A nossa gente sempre soube acolher os imigrantes da forma como merecem e devem ser recebidos. No entanto, a política de imigração que tem sido levada a cabo pelo governo provocou um aumento expectável da entrada de imigrantes em Portugal e isso implica naturalmente uma maior necessidade de controlo e fiscalização quer no momento de entrada de cidadãos estrangeiros como também na sua permanência.

Lamentavelmente, tem-se assistido a situações absolutamente deploráveis e humanamente inaceitáveis que expõem a incompetência do Estado em fiscalizar e controlar de forma escrupulosa os cidadãos estrangeiros que em Portugal residem. Os casos de Odemira e da Mouraria são os exemplos mais mediáticos que comprovam essa mesma incompetência, e colocam a nu a exploração da vulnerabilidade humana no mais básico ataque vil e cobarde à fragilidade humana e ao respeito pela dignidade da pessoa humana.

O Estado tem-se demitido da sua obrigação moral e existencial de controlo e fiscalização daqueles que, por força das circunstâncias, mais facilmente serão abusivamente explorados e destratados e o governo socialista finge-se alheio a todas estas situações e, quando vem a terreiro falar do assunto, acha que, do alto da sua moral, pode ignorar categoricamente as suas responsabilidades relativamente a esta política migratória que se tem tornado cada vez mais libertária e desnorteada, conduzindo a uma enorme quantidade de imigrantes a circularem no território português sem dotar o SEF dos meios necessários para que seja capaz de exercer a sua missão.

Aliás, o SEF é o órgão que tem como competência fiscalizar e controlar a imigração no nosso país e o governo, em vez de atribuir e reforçar os recursos necessários para aumentar a eficiência deste organismo, aprovou a sua extinção em 2021 propondo, mais tarde, a criação da Agência Portuguesa para as Migrações e Asilo.

A realidade é que Portugal se vê confrontado com um acentuado declínio demográfico e a imigração é parte da solução e não do problema. Nós vivemos num país em que a imigração é indispensável, daí o governo dizer-se, e bem, a favor da entrada de imigrantes e enaltecer a sua inquestionável importância no seio da nossa sociedade, mas é manifestamente incapaz de planear o acolhimento desses mesmo imigrantes garantindo que a dignidade humana é um valor inatacável na vida daqueles que procuram o nosso país para que possam ter fé num futuro expectante e promissor.

Não podemos abordar a imigração sem ressalvar a sua relação com a emigração e, nomeadamente, a emigração jovem. Há muito que se ouve falar de que a atual geração jovem é a mais qualificada e bem preparada desde que há memória. Apesar disso, este facto apenas serve para (auto)elogios políticos já que o país em quase nada beneficia dessa mesma geração.

Façamos uma reflexão muito simples. Imaginemos que um jovem finaliza o ensino secundário e ingressa no ensino superior. Termina a sua licenciatura e decide realizar um mestrado. Concluído o mestrado começa a procurar emprego na sua área de formação e esbarra com a realidade de que o salário médio dos jovens, entre os 18 e os 24 anos, em 2021, é cerca de 950 euros. Um valor que fica aquém das suas expectativas. Apesar disso suponhamos que esse mesmo jovem até decide ficar por Portugal, com certeza que se recusará, e bem, a trabalhar profissionalmente numa área que não aquela para a qual se especializou. Ora, não encontrando oportunidades de emprego satisfatórias ao nível económico e financeiro vai atrás de chances fora do país, chegando a encontrar propostas mais aliciantes e que justificam a saída do país que os formou.

Portugal tornou-se num exportador de jovens qualificados, que se dedicaram copiosamente aos seus conhecimentos académicos, durante anos a fio, e que contribuíram para que pudéssemos ser o 7º país da União Europeia com maior proporção de jovens com ensino superior. Mas, depois somos também o 7º país da União Europeia com maior taxa de desemprego jovem.

Que país é este que desperdiça e deixa ir o seu melhor talento jovem?

De que serve ter a geração mais qualificada de sempre quando depois não somos capazes de reter o talento que nós próprios produzimos e geramos? De que vale sermos um país que forma exemplarmente jovens quando depois somos incapazes de criar oportunidades justas que correspondam verdadeiramente ao seu esforço e às suas qualificações?

Devemos terminar com este investimento no que toca à qualificação dos jovens? Evidentemente que não, mas a economia portuguesa tem de ser capaz de acompanhar esta evolução e ajustar-se às expectativas e ao investimento que é feito na camada jovem, caso contrário a necessidade de importar mão de obra – inquestionavelmente barata e que se sujeita a condições que a atual geração mais qualificada não se sujeita – será cada vez maior.

É clarividente que o abandono do país por parte dos jovens qualificados impede e não estimula a competitividade das empresas e do país e consequentemente da criação de riqueza e do crescimento económico. Com a ida de jovens portugueses para o estrangeiro, a falta de trabalhadores é colmatada pelos imigrantes que se sujeitam a condições miseráveis e ignóbeis, aceitando a precariedade e a falta de esperança no futuro que impingem aos jovens. Enquanto o poder político continuar a assobiar para o lado e a ignorar esta evidência, continuaremos – todos – condenados a uma economia sufocante em impostos e precária em salários.