Liderar pelo exemplo!
Era Mário, era também Jorge, como eu sou. De família humilde, vivia nos subúrbios da sua cidade. Sempre simpático, o orgulho da família. Tinha uma namorada. Estudou ciências, ganhava uns trocos como segurança numa discoteca. Gostava muito de futebol. Adorava dançar tango. Era jovem, tinha sonhos!
Agora é Francisco. Continua humilde e vive com modéstia para quem é agora. Distribui simpatia e ensina a caridade e tolerância pelo mundo. Da ciência herdou a defesa do ambiente. Continua a gostar de tango e tornou-se o ídolo do seu clube de futebol. Já passou há muito a juventude, mas continua a sonhar!
O que mudou?
O Papa encontrou a vocação aos 17 anos. Diz que a descobriu ao confessar-se a um padre já em fim de vida, com quem depois conversou. Com espírito de missão, quis ser jesuíta. E quis seguir o exemplo de Francisco de Assis, patrono dos animais.
Foi apanhado no fogo cruzado das trincheiras da luta ideológica. Ultrapassou pela direita, e com inteligência, a Teologia da Libertação, que propunha uma igreja revolucionária na América Latina. Criticado por não ter condenado as ditaduras militares fascistas do seu tempo, no entanto, ridicularizou o modelo social por elas proposto e ajudou os padres perseguidos. Não foi revolucionário, mas semeou muitas perguntas difíceis neste continente americano inundado de crises sociais.
Quis “pôr o dedo nas feridas” e teve a crítica feroz do poder instalado do seu país. Acusado de, como arcebispo de Buenos Aires, ser o líder da oposição, dizia sempre “ao enfrentares o escárnio, escolhe o silêncio”, uma escolha que só alguns têm coragem de assumir. A facilidade de perdoar e a inteligência emocional são as suas ferramentas mais úteis.
Para quem conhece a Argentina, na sua vastidão, assimetrias e oportunidades perdidas, reconhece que Francisco é um filho dos seus problemas e soluções. Ele alerta que o lado da estrada onde estão os pobres fica invisível para muitos. Diz que a Igreja tem de marcar presença nas “fronteiras” do debate social. E não hesitar em pisar o chão sujo, molhado e com sangue. A maioria dos católicos vive hoje em terras de pobreza e insegurança, seja em África, na Ásia ou na América Latina.
Captado em jovem pelo poder da confissão, quis Francisco que a sua Igreja confessasse os pecados cometidos e a Igreja tem feito o “mea-culpa” nos sete pecados capitais criados pelo Papa Gregório I no século VI. Há quem faça o seguinte exercício, sem nenhuma ponta de blasfémia: preguiça: não se conhece; gula: alguns papas não se coibiram dos grandes banquetes; avareza: a Igreja é detentora de uma enorme riqueza, alguma obtida pelos séculos de forma questionável; inveja: a luta por cargos de topo dentro da Igreja por vezes acontece; ira: pontualmente, vozes do Vaticano deixaram escapar esse sentimento; soberba: destacados membros da Igreja, por vezes, não ficam nada a dever à humildade; luxúria: no início do cristianismo os padres podiam casar e ter filhos, o celibato só surgiu depois.
O Papa que “chora e que ri com a Humanidade” não se tem furtado a carregar a cruz dos pecados da Igreja. Mas tem-no feito com o alívio do “perdão” que já pediu publicamente várias vezes. E ao fazê-lo, fortaleceu a própria igreja católica. Pelos abusos sexuais, físicos e espirituais. Pelo encobrimento desses crimes. Pelo mal contra os povos indígenas do Canadá. Pela escravatura e violência.
Depois do foco no valor da Fé do Papa teólogo Bento XVI; depois de João Paulo II ter aberto à Igreja a “cortina de ferro”, de lançar as Jornadas Mundiais da Juventude, de valorar a oração e o culto de Maria; depois de João XXIII ter mudado as “vestes da igreja” e ser o Papa da “transição”, é lícito perguntar, qual será o legado de Francisco?
Como disse uma jovem na TV sobre as jornadas da juventude, “É uma loucura…Queria também cantar, mas não sabia a língua…, mas a energia estava lá!” E é esta energia que Francisco transmite com naturalidade. O legado para uma Igreja por vezes desvirtuosa é o seu próprio exemplo pessoal. E o legado para o Mundo, é ser um exemplo a seguir.