Criar (o) futuro (XXII)
“Os dias de verão vastos como um reino/(...) Como se em tudo aflorasse eternidade”.Estes versos de Sophia de Mello Breyner Andresen têm, para mim, o sabor do verão da minha infância, em que os dias pareciam intermináveis e os sonhos eram uma carta aberta ao futuro.Na lufa-lufa da vida quotidiana, dou por mim a pensar como o tempo é relativo e depende muito do que se passa no mundo, mas também na nossa vida.Por isso, acho notável quem tenta, todos os dias, ter ou recuperar a capacidade de acreditar, de lutar contra os velhos do Restelo e fazer de todos os tempos o seu tempo. Um tempo feito de resiliência, de empatia e, sobretudo, de esperança no futuro. E, neste mês de agosto, foi uma energia de esperança, de acreditar num futuro melhor, que perpassou pela 16.ª Jornada Mundial da Juventude (JMJ), realizada em Lisboa.Assistimos a uma resposta clara de esperança por parte de jovens de todo o mundo, transmitida através de orações e cânticos, e, em especial, com o entusiasmo com que disseram presente. Uma presença feita de alegria e união. Nas palavras do cardeal José Tolentino Mendonça “a redescoberta do poder da esperança é a primeira oração global do século XXI”.
Num futuro em que se quer que os sonhos se transformem em conquistas, os anseios e aspirações dos jovens ocupam claramente um lugar central. E que sonham os jovens de agora? Como imaginam a sua vida, o seu futuro?
Sabemos que o contexto socioeconómico, bem como a época em que se vive, influencia os sonhos, dilemas, preocupações e responsabilidades dos jovens.Assim, nesta era da globalização, num mundo à distância de um clique, com informação verdadeira ou fake, a transbordar nos écrans, com a vida a ser vivida nas redes sociais, o que querem verdadeiramente os jovens?Sem querer “lutar contra moinhos de vento”, pois o mundo virtual, ainda mais neste tempo da inteligência artificial, tem as suas vantagens e pode ser uma ferramenta importante no nosso dia a dia, há que privilegiar o mundo real, fugindo à tentação de alienação e virtualidade, insistindo numa vivência feita de afetos sentidos e na edificação de um tempo presente com maior proximidade, justiça e solidariedade.
Mas para que o dia a dia seja plenamente vivido, há questões essenciais para as quais tem de haver uma resposta célere e abrangente, nomeadamente ao nível do emprego, habitação e segurança. Temos de olhar de frente para estes desafios e conseguir soluções, políticas e ferramentas que resolvam, de forma inequívoca, os problemas com que se defrontam muitas pessoas hoje em dia, com especial ênfase nos jovens. Sem políticas concretas, com resultados visíveis no bem-estar e qualidade de vida dos jovens, voltaremos a ser, em força, uma região de emigração, mas agora com os nossos jovens, especialmente os mais qualificados, a preferirem concretizar os seus sonhos fora. E se for por um período determinado, para ganhar novas competências e “dar-lhes mundo”, até pode ser benéfico, mas que haja condições para que voltem para ajudar a transformar a sua terra num lugar cada vez mais de futuro. E que se verifiquem, igualmente, os pressupostos necessários à fixação e autonomização dos que querem ficar, e isso só se faz, entre outros fatores, com empregabilidade e trabalho digno, bem como habitação a preços acessíveis, face ao custo de vida e poder de compra atuais.
Até porque a maneira como encaramos e apoiamos a juventude tem um claro efeito no futuro de uma região ou país. Para além do inverno demográfico que estamos a atravessar, há que conhecer a própria juventude, como é, o que pensa, como vive, quais os valores e princípios éticos que moldaram o seu caráter e a forma de olhar o mundo, pois o conhecimento profundo da visão dos jovens tem uma importância decisiva para o ajustamento e eficácia das políticas públicas ao nível da juventude.
Os jovens querem ter voz, querem ser ouvidos e que a sua opinião conte e faça a diferença. Por isso, considero imprescindível que, na definição de estratégias e no debate e formulação de políticas públicas, bem como na tomada de decisões, seja reforçada a participação dos jovens a todos os níveis, para que o futuro justo e equitativo que desejamos se torne realidade. Pois nunca podemos esquecer que os jovens são a força motriz essencial para que ocorra uma efetiva mudança social e global, ao trazerem para cima da mesa os temas que definem o seu pensar e sentir relativamente ao futuro. Temas como as alterações climáticas e a igualdade de género fazem parte das questões que querem ver debatidas e implementadas para um verdadeiro desenvolvimento harmonioso e sustentável. Refira-se, a este propósito, que o Dia Internacional da Juventude, celebrado a 12 de agosto, teve este ano como tema “Competências verdes para a juventude: Rumo a um mundo sustentável”, o que denota a preocupação da juventude com a transição ecológica.
Todas e quaisquer escolhas que se façam hoje têm grande impacto sobre o futuro das próximas gerações. Cabe-nos a nós, a todos nós, cuidar do futuro, que se abre à nossa frente como um mar cheio de possibilidades, onde os jovens serão, como disse o Papa Francisco, “surfistas do amor”.P.S.: Parabéns, Funchal, pelos 515 anos de elevação a cidade!