O que escapa ao radar
A questão pode não passar tanto pelo ‘altruísmo’ do “o que tenho de melhorar?”. Passará mais pela curiosidade do “como posso saber o que ainda não sei que não sei?”, daquilo que escapa ao radar.
À medida que avanço na vida e acumulo experiências pessoais e profissionais, multiculturais, em diferentes países e continentes, mais segura estou disto: as dificuldades que sentimos são difíceis, mas difícil mesmo, são as dificuldades que não sentimos. Pois. Podia resumir assim: são as dificuldades das quais não temos consciência.
É que as dificuldades que sentimos estão identificadas. Depois, cabe-nos apenas escolher como queremos lidar com elas e transformá-las. O problema são aquelas que por variadíssimos motivos escapam à nossa percepção, à nossa consciência e se instalam nas catacumbas do inconsciente. Como dizia o psiquiatra Carl Jung “até que tornemos o inconsciente, consciente, ele vai conduzir a nossa vida e vamos chamar-lhe destino.”
Portanto, para as dificuldades identificadas temos uma espécie de meios de socorro, em prontidão. E para as outras? Para aquelas que nem sabemos que lá estão? Para aquelas que não sentimos?
Enquanto insistirmos viver à superfície de nós mesmos, na verdade, pouco ou nada de novo e útil poderá acontecer. Vestimos capas de proteção, usamos máscaras sociais, comportamo-nos como o que esperam de nós. E é tudo tão natural que conseguimos convencermo-nos que estas máscaras são a nossa incontestável identidade. A isto juntamos a crença de que tudo se resolve pelo racional. Só que não. Quanto mais vivermos presos na cabeça, na check list que nos ensinaram (pelo exemplo) em pequeninos, que comanda a sociedade (em geral), menos flexíveis, menos curiosos e mais irredutíveis vivemos na nossa forma de pensar, sentir e fazer. E desde esse lugar, nada emerge e nada se transforma. Que é como quem diz: nada muda. Não evoluímos.
De repente, acordamos cansados, sem energia, parece que carregamos o mundo às costas. Provavelmente, acabamos até por reconhecer que não estamos bem. Mas é mais fácil correr para a cabeça (que é de resto o que nos ensina o sistema de ensino tradicional). Uma cabeça julgadora, recheada de pródigas desculpas e justificações: ‘deitei-me muito tarde’, ‘ando a trabalhar demais’, ‘a minha alimentação está desregrada’… Damos connosco a defender-nos das pessoas, a atacar, a personalizar, a reagir. Acontece porque há ganhos secundários ou seja, benefícios por não superarmos um problema. É isso que nos mantém presos às circunstâncias onde permanecemos, ainda que do ponto de vista consciente possam existir perdas, ou, pelo menos, não existam ganhos. A verdade é que se escolhemos mantermo-nos na circunstância, é porque inconscientemente há algo a ganhar. Algo que escapa ao radar. E, às vezes, até um estímulo aprantemente inofensivo, pode ser motivo mais do que suficiente para desencadear uma guerra nuclear. E isso, sabemos que só causa mais estragos, muitas vezes irreparáveis.
Quantas vezes a dor atira violentamente connosco, para uma tensão interna tão intensa, que pode até, chegar ao limite do sofrimento?!
Na neurolinguística dizemos que somos um conjunto de partes, muitas vezes em conflito entre si, que tendem para a união e para o todo. Então, é mais fácil reconhecer que se experimentamos dificuldade em identificar medos, inseguranças, feridas e até traumas, é porque somos habitados pela dor. Quando isso acontece, ganhamos consciência. Só a partir desse momento podemos acolher, integrar e transcender o que nos habita e não sabíamos. É a nossa carta de alforria. É o caminho para a liberdade.
Sabendo isto, sabemos também que os desafios que a vida traz, não nos acontecem e não são por acaso. Eles são para nós. E ao reconhecer tudo isto, criamos novos caminhos neurais, expandimos o horizonte e libertamo-nos para vivermos uma vida plena.