As pessoas com mobilidade reduzida precisam de estar em cadeira de rodas para aceder gratuitamente ao miradouro do Cabo Girão?
Há cerca de um mês, um cidadão residente em Portugal Continental, portador de um atestado de multiusos com 80% de incapacidade, viu negado o seu direito a aceder gratuitamente ao miradouro do Cabo Girão. Conforme noticiou o DIÁRIO esta manhã, um elemento da segurança daquele espaço justificou que mesmo tendo comprovativo dessa limitação física, teria direito a entrar sem pagar caso se deslocasse numa cadeira de rodas, o que não acontecia. O turista contrapõe, garantindo que tendo uma incapacidade superior a 60% tem o direito a visitar de borla o miradouro do Cabo Girão. Quem tem razão?
Ao DIÁRIO, o turista clarificou que, segundo a legislação, quem tem uma deficiência igual ou superior a 60%, comprovada através de documento específico, tem direito ao acesso gratuito a espaços de lazer tarifados como é o caso do Cabo Girão.
“Há dois parâmetros no atestado multiusos: a incapacidade total e a incapacidade específica relacionada com a mobilidade que é a que permite a atribuição do cartão de estacionamento para os portadores de deficiência. A lei indica que a mobilidade reduzida corresponde a uma incapacidade igual ou superior a 60%, não sendo necessárias canadianas ou cadeira de rodas. O turista em questão apresenta um nível de mobilidade reduzida referido acima e uma incapacidade de 80% no geral. A informação dada aos seguranças de que as pessoas portadoras de deficiência só podem ter acesso gratuito ao Cabo Girão com cadeira de rodas é errada, ridícula e não define só por si nenhuma incapacidade”, alegou.
Acontece que há um regulamento próprio para aquele espaço de atracção turística do concelho de Câmara de Lobos. De acordo com a Portaria n.º 945/2022 Artigo 4, n.º 2 e com o Despacho n.º 99/2023 de 28 de Fevereiro de 2023, as pessoas com mobilidade reduzida que não se apresentem de cadeira de rodas não podem beneficiar de um acesso gratuito ao miradouro do Cabo Girão.
O n.º 2 do artigo 4º da Portaria 945/2022 garante ao membro do Governo Regional com o pelouro do Património e das Finanças a capacidade de aplicar isenções ou descontos no acesso àquele miradouro. “Para além das isenções referidas no número anterior, por despacho do membro do Governo Regional com competência na área das finanças, podem ser aplicáveis a outras isenções ou descontos”. A 28 de Fevereiro de 2023, o Secretário Regional das Finanças, Rogério Gouveia assinou o despacho nº 99/2023 no qual decide “isentar da tarifa de acesso ao Miradouro do Cabo Girão, localizado na freguesia e Concelho de Câmara de Lobos, às pessoas de mobilidade reduzida e em cadeira de rodas.”
O turista, com mobilidade reduzida, é da opinião que esta legislação regional coloca em causa a lei nacional. “O Governo Regional não pode constituir um despacho que vá contra a lei”, atirou, afirmando ainda que “não há nenhuma lei que afirme que os portadores de mobilidade reduzida precisem de uma cadeira de rodas”. O próprio vai mais longe ao afirmar que “as cadeiras de rodas não são uma junta médica que possa definir se um cidadão é portador de mobilidade reduzida. Não é factor legal que define qualquer tipo de incapacidade.”
Ouvido pelo DIÁRIO, advogado Ricardo Vieira, especialista em direito administrativo, esclarece que o despacho apresentado anteriormente não corresponde a nenhum tipo de inconstitucionalidade, visto que o “fundamento para isenção reside no facto do acesso ao miradouro ainda não estar totalmente equipado para pessoas de mobilidade reduzida”, afirma. Contudo, o advogado reconhece que a redacção do despacho é “pouco feliz” e admite que “a haver dúvidas sobre a discriminação elas deviam colocar-se em saber se pode haver isenção apenas baseada no factor residência.”