Supremo tribunal condena Liga de Salvini por usar termo "clandestinos"
O Supremo Tribunal italiano determinou que os imigrantes e os requerentes de asilo não podem ser classificados como "clandestinos", termo recorrentemente utilizado pelo partido de extrema-direita Liga, de Matteo Salvini, condenado em definitivo a indemnizar duas associações.
O acórdão do Tribunal de Cassação, pronunciado esta semana, coloca um ponto final num longo litígio, iniciado em 2016, quando duas organizações civis, a Associação de Estudos Jurídicos sobre a Imigração (Asgi) e a Associação Naga, que presta assistência jurídica aos imigrantes que chegam a Itália, indignadas com uma campanha realizada pelo partido Liga numa localidade no norte de Itália, apresentaram queixa num tribunal de Milão.
Na primavera de 2016, e face à iminente chegada de um grupo de 32 refugiados à cidade de Saronno, na região da Lombardia, a Liga promoveu uma campanha com cartazes 'outdoor' contra a "invasão" de "clandestinos".
"Saronno não quer clandestinos. Pensão, alojamento e mimos pagos por nós. Enquanto isso, os habitantes de Saronno vêem as suas pensões reduzidas e os impostos aumentados", lia-se nos cartazes da Liga, que acusava o então primeiro-ministro Matteo Renzi de ser "cúmplice da invasão".
As duas associações levaram então a tribunal a Liga, assumidamente anti-imigração, por considerarem que o termo "clandestinos" era discriminatório, e a sua queixa foi deferida tanto em primeira, como em segunda instância, mas o partido de Salvini, atualmente no poder, numa coligação com os Irmãos de Itália de Giorgia Meloni e o Força Itália, recorreu para o Supremo, invocando o direito à liberdade de expressão.
Contudo, o Supremo tribunal determinou que quem chega a Itália para pedir asilo "não pode ser chamado de clandestino, nem mesmo num manifesto político", rejeitando o recurso do partido de Salvini, atual vice-primeiro-ministro e ministro do Interior, e confirmando a sua condenação e o pagamento de uma indemnização de 5.000 euros às associações queixosas.
Segundo o acórdão, "o direito à livre manifestação do pensamento não pode ser equivalente, ou mesmo prevalecer, sobre o respeito pela dignidade pessoal dos indivíduos", em particular, refere o Tribunal, "quando se trata de indivíduos mais frágeis, como os migrantes".
Numa reação a este acórdão, que é definitivo, um advogado da organização Asgi, Livio Neri, comentou que "a decisão, embora se refira a uma questão de anos atrás, também diz muito sobre a política atual, em particular sobre o hábito inaceitável de usar o termo 'clandestino' para aqueles que chegam ao nosso território".
O atual governo italiano, uma coligação de direita e extrema-direita, em funções desde outubro do ano passado, endureceu a política migratória este ano, sendo acusado por organizações não-governamentais de restringir o acesso humanitário nas águas do Mediterrâneo Central, precisamente num ano que se está a revelar o mais mortífero desde 2017.