Pirata informático diz que Bolsonaro lhe pediu para invadir urnas e assumir um crime
Um pirata informático ouvido hoje numa comissão parlamentar que investiga atos golpistas no Brasil disse que o ex-presidente Jair Bolsonaro sugeriu que invadisse urnas eletrónicas, e pediu que assumisse um alegado crime contra o juiz Alexandre de Moraes.
O especialista em informática Walter Delgatti disse à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do Congresso brasileiro que o ex-presidente falou consigo sobre o risco de uma rutura institucional no Brasil se perdesse a eleição e lhe prometeu um "indulto" se fosse descoberto e preso por essas operações ilegais.
"Segundo ele [Bolsonaro], eles haviam conseguido um grampo [escuta ilegal], que era tão esperado à época, do juiz Alexandre de Moraes. Que teria conversas comprometedoras do juiz, e ele precisava que eu assumisse a autoria desse grampo", disse.
"[Bolsonaro] havia concedido um indulto a um deputado federal. E como eu estava com o processo da Spoofing [operação sobre invasão de telemóveis de autoridades brasileiras] à época, e com as [decisões judiciais] cautelares que me proibiam de acessar a Internet e trabalhar, eu visava a esse indulto. E foi oferecido no dia", declarou.
Delgatti afirmou que falou com o ex-presidente sobre sua prisão num segundo momento. Nesta conversa, Bolsonaro terá dito: "Fique tranquilo, se algum juiz te prender, eu mando prender o juiz".
Num depoimento tenso, o pirata cibernético disse ainda que o ex-presidente e alguns de seus aliados e assessores sugeriram a criação de uma falsa urna eletrónica, que seria usada na campanha eleitoral.
A ideia era criar um código fonte para colocar numa urna falsa de votação e simular o momento do voto. No caso, o eleitor escolheria um candidato, mas o voto seria registado em outro, o que levaria os apoiantes de Bolsonaro a acreditarem que o sistema eletrónico de votação foi viciado.
Delgatti especificou que seus encontros com Bolsonaro foram mediados pela deputada Carla Zambelli, com quem trabalhava na época, e que o ex-presidente chegou a encaminhá-lo ao Ministério da Defesa cinco vezes para discutir o assunto com especialistas em informática.
Segundo o pirata informático, os encontros com Bolsonaro foram na residência oficial da Presidência e também esclareceu que nessas reuniões explicou ao ex-presidente que os sistemas de votação não poderiam ser violados.
Diante disso é que Bolsonaro teria alegadamente sugerido a Delgatti que criasse a urna falsa, o que nunca foi feito, e também pediu que invadisse redes informáticas da Justiça brasileira.
O pirata realmente invadiu o Banco Nacional de Monitoramento de Prisões (BNMP) do país e incluiu um mandado de prisão falso contra o juiz Alexandre de Moraes, presidente do Superior Eleitoral Tribunal de Justiça (TSE) e membro do Supremo Tribunal Federal (STF).
Por sua campanha contra as urnas eletrónicas que o Brasil usa desde 1996 sem nunca registar fraudes, Jair Bolsonaro foi julgado pelo TSE em junho passado e cassado de todos os seus direitos políticos por oito anos.
O ponto central da denúncia que levou à perda dos direitos políticos, porém, foi uma reunião que Bolsonaro convocou na residência oficial da Presidência do Brasil com 50 embaixadores estrangeiros em 18 de julho de 2022 para desacreditar o sistema eleitoral.
Nessa reunião, transmitida pela televisão pública, Bolsonaro tentou convencer os diplomatas de uma suposta fraude nas urnas eletrónicas e chegou a sugerir que a Justiça eleitoral brasileira conspirava para favorecer o atual Presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, que acabou vencendo as presidenciais.
O encontro com os embaixadores foi mais uma ação da campanha contra as urnas eletrónicas à qual Bolsonaro se tornou ainda mais beligerante a partir de março de 2021, quando o STF anulou os processos por corrupção que levaram à prisão de Lula da Silva, que desde então passou a liderar todas as pesquisas eleitorais até 2022.