Cultos de Personalidade
O problema da servidão a “influencers” ou melhor, a demagogos, porque é a isto que equivalem a sua maioria, é evidente
Num mundo como o nosso, onde cada vez mais jovens andam perdidos e sem sentido de vida, passou a existir uma nova classe social que, se reconhecida formalmente, assumiria uma posição na pirâmide social similar àquela que a nobreza detinha na era medieval. Essa é a classe dos “influencers” que, contrariamente ao anterior grupo social que desempenhava uma função societal, meramente retém vícios nobiliárquicos contribuindo pouco ou nada para um funcionamento saudável de um país.O conceito de “influencer” é relativamente novo, sendo na atualidade usado para definir pessoas que, na sua maioria, desenvolveram a sua fama e “carreira” através das redes sociais digitais participando em modas online iniciadas em plataformas como o TikTok. A verdade é que a maioria destas personagens conseguiu, de forma mais ou menos consciente, aproveitar a onda de culto de personalidade tão comum na geração mais nova e tornou-a num mecanismo de sustento milionário por via de patrocinadores que, tendo perfeita noção do alcance que ela tem, a dita maioria, lhe pagam para promoverem os seus produtos. Um exemplo (entre milhares de outros) é o caso da “e-celebrity” Charli D’Amelio que, com só 19 anos de idade, ganha 100 mil dólares por TikTok patrocinado. Ignorando o problema óbvio que aqui se estabelece em que uma criança (ela já tem esta carreira muito antes dos 18) ganha mais que um adulto profissional para fazer vídeos sobre nada – afinal de contas já todos sabemos o quão podre o nosso mundo é na valorização de quem realmente contribui para a sociedade – importa apontar o quanto os nossos meios de comunicação social se começam a degradar para servir esta classe em tentativas desesperadas de angariar jovens audiências. Na passada quarta-feira, vários foram os noticiários online a reportar a morte de uma outra “influencer” que se destacava tanto pela sua idade (no seu pico de “fama” tinha 9-10 anos, agora tem 14) como também pela forma como humilhava todos aqueles que não tinham o seu nível de riqueza que, anos depois, veio comprovar-se ser falso, tendo então a sua “fama”, que ninguém sabe muito bem porque começou, morrido. Ora, para quem já conhecia a personagem, a história da sua morte já cheirava a esturro. Estaria alguém a tentar recuperar a “fama” perdida? Afinal, a única prova de morte da jovem era uma publicação de “um familiar” anónimo no Instagram com lamentações sobre o seu falecimento, sendo que tanto os pais como os “managers” da jovem não confirmaram nem negaram esse comunicado, mas nem isso impediu os jornalistas de avançarem com a notícia. No dia seguinte, veio-se a saber que a jovem estava normal e nada se tinha passado e que, em relação ao evento, explicara que a sua conta tinha sido acedida por hackers… (deixo aos leitores tirarem as suas conclusões sobre a veracidade desta explicação).Assim, com uma jogada de marketing – porque parece mais que óbvio que tudo isto não passou de encenação com objetivo de trazer a jovem de volta à fama –, inúmeros meios de comunicação pararam para reportar uma morte não confirmada de uma adolescente com importância duvidosa no funcionamento da sociedade e que, na escada dos “influencers”, está muito possivelmente na base (imagine-se se fosse alguém no seu topo), tendo até em Portugal a situação sido noticiada por vários meios de relevo nacional. Claramente, o nome “influencer” nunca foi aplicado tão bem.O problema da servidão a “influencers” ou melhor, a demagogos, porque é a isto que equivalem a sua maioria, é evidente. Como se viu neste caso, os “influencers” até de categorias mais baixas já detêm poder considerável, tendo uma jovem de 14 anos demonstrado o quão fácil é manipular os media em meio planeta com uma mera publicação de Instagram. À primeira vista não parece ser um grande problema, mas quando nos lembramos do poder que estas pessoas detêm sobre os seus seguidores e que, mais cedo ou mais tarde, estes terão idade para votar, percebemos que novamente a democracia encontra-se sobre o risco dos cultos de personalidade.