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O Papa e as ilusões do mundo virtual

A visita do Papa Francisco a Portugal tem feito correr muita tinta e, polémicas à parte sobre a pertinência ou não da realização do evento, do retorno do investimento deste e da eventual hipocrisia da fé cristã (por causa dos escândalos em torno da pedofilia, sobretudo), quero aqui destacar não as inúmeras e significativas mensagens que Sua Santidade deixou aos jovens e aos milhares de peregrinos, mas um trecho do discurso que fez na cerimónia de acolhimento da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), onde se referiu às ilusões do mundo virtual e dos algoritmos. Certamente o discurso não terá sido escrito por ele, pois tem uma eficiente equipa de comunicação a assessorá-lo, mas chamou-me a atenção a sua preocupação por esta temática tão atual, que é a desinformação.

“Gostaria que cada um visse isto: muitas pessoas hoje sabem o teu nome, mas não te chamam pelo nome. De facto, o teu nome é conhecido, aparece nas redes sociais, é elaborado por algoritmos que o associam a gritos e preferências. Mas tudo isto não põe em causa a sua singularidade, mas sim a sua utilidade para os estudos de mercado. Quantos lobos se escondem atrás de sorrisos de falsa bondade, dizendo que sabem quem vocês são, mas não vos amam; insinuam que acreditam em vocês e prometem-vos que se tornarão alguém, para depois vos deixarem quando já não estiverem interessados. E estas são as ilusões do virtual e temos de ter cuidado para não nos deixarmos enganar, porque muitas realidades que hoje nos atraem prometem-nos felicidade, mas depois mostram-se como são: coisas vãs, bolas de sabão, coisas supérfluas, coisas inúteis e que nos deixam vazios por dentro”.

Como figura carismática que é, o apelo para combater o engano, conseguindo distinguir o verdadeiro do falso, não é novo, na medida em que já noutros encontros tinha manifestado a sua preocupação pelos riscos que os algoritmos podem representar como desestabilizadores da humanidade.

É que o Santo Padre já fora, ele próprio, alvo de uma campanha de desinformação. Circulou há uns meses, sobretudo nas redes sociais, tornando-se rapidamente viral, uma fotografia manipulada do Papa a usar um casaco estiloso branco. Por estes dias, por ocasião da JMJ e graças à evolução das ferramentas de Inteligência Artificial (IA), circulam várias, inclusive vídeos manipulados, deepfakes.

Na verdade, ferramentas generativas podem criar facilmente imagens ou vídeos que podem enganar. Como tal, cabe aos consumidores avaliar os conteúdos e discernir o que é real e o que é fruto da IA. Portanto, o desafio para a alfabetização mediática é ainda maior.

O Papa Francisco, neste discurso que aqui destaco, foi mais além. Não se fica pelas referências aos algoritmos. Critica o recurso a estes para ações de marketing que pretendam enganar e desinformar, aproveitando-se da insegurança das pessoas. E lembra que, na igreja, “uma comunidade de irmãos e irmãs de Jesus, filhos e filhas do mesmo Pai”, é possível encontrar alguma paz, pois – assegura – nesta “há lugar para todos”, “tal como nós somos”, “sem maquilhagem”.