É perigoso ser bonita?
“É perigoso ser bonita. Eu não queria ser violada. Não queria ser abusada. Não queria vestir-me como uma menina. Não queria ser bonita.”
(Sinéad O’Connor)
Sinéad O’Connor morreu a 26 de julho. Foi abusada psicológica e fisicamente pela mãe várias vezes, incluindo abusos sexuais. Afirmou ter nascido fruto da violação da mãe pelo pai. Rapou o cabelo pela primeira vez aos 20 anos para contrariar um empresário musical que queria que se tornasse mais feminina e “atraente”, pois assim teria mais “sucesso na indústria”. Sinéad rejeitou, desta forma, os padrões de beleza impostos e almejou proteger-se de atenções indesejadas após uma vida inteira de abusos.
Como consequência, Sinéad sofreu durante toda a vida de vários problemas de saúde mental. Não pretendo debruçar-me em particular sobre o percurso desta artista polémica, mas quero abordar a culpabilização das vítimas de abuso sexual.
Uma menina nunca deveria se sentir desprotegida pelas suas características físicas, muito menos perante os seus progenitores. Uma mulher considerada bonita ou atraente por outras pessoas – sendo que a atração é uma questão de química e, por isso, muito variável –, não é desculpa para que seja assediada ou abusada, seja lá por quem for. O mesmo acontece com rapazes e homens que sejam vítimas de assédio ou abuso, embora saibamos que são uma minoria.
O abuso sexual é uma invasão do nosso território pessoal. É um ato não consentido de cariz sexual. É violência sexual. No caso de menores, havendo um grande desequilíbrio de força, é muito difícil que a criança se consiga defender. Em todos os casos, as marcas ficam para toda a vida, e podem tomar muitas formas. Sinéad falava abertamente sobre as suas vivências e tornou públicos os seus complexos problemas de saúde mental, mas o oposto (o silêncio) também pode acontecer, sendo certo que os abusos afetam para sempre a saúde das vítimas e os seus relacionamentos futuros.
Em relação às mulheres, muitas pessoas dirão que estão fartas de escutar a frase “não é não”, que já está ultrapassada, mas, na verdade, é a isso que se resume. Já ouvi muitas desculpas para desvalorizar o abuso sexual contra as mulheres. A mais popular é que “as mulheres não se devem pôr a jeito” sendo que o “pôr-se a jeito” resume-se a usar um decote ou vestido curto, a sair com as amigas e a beber uns copos. “As mulheres têm que se dar ao respeito e ter mais cuidado. Se acontece alguma coisa, a culpa é das mulheres, que provocam os instintos incontroláveis dos homens”. É por ainda prevalecer esta mentalidade machista, também perpetuada por algumas mulheres, que muitos casos de violação ficam arquivados e as vítimas sem qualquer amparo, muitas vezes desacreditadas pela própria família.
Por estar tão entranhado na sociedade, há vítimas que também se culpabilizam. “Mas eu até estava toda tapada…” É preciso reafirmar que a culpa é sempre de quem agride, e de quem se aproveita de situações de vulnerabilidade da vítima.
Ninguém deveria sentir a necessidade de esconder o seu brilho pessoal, tenha ele a forma que tiver, por medo. Que haja respeito, e que a igualdade quebre os preconceitos que ainda vingam em muitas cabeças.