Alojamento turístico na Madeira só tem 33 mil camas?
O turismo da Madeira tem crescido a todos os níveis, com destaque para os hóspedes entrados no alojamento turístico, nas dormidas que realizam nas unidades de vários tipos de estabelecimentos, no preço que pagam (mas com menos dias passados nas duas ilhas) por alojamento e, sobretudo, nos rendimentos que trazem ao sector, a bater recordes desde 2022. Mas estaremos perante um excesso de turismo, reflectido numa expansão das camas ao serviço do sector?
Vejamos. Continuando o processo que estava em curso desde 2019, interrompido em 2020 e 2021, este ano o turismo da Madeira está a atingir números ainda mais impressionantes e só vamos em quatro meses com dados conhecidos na totalidade, cinco meses, com parte da informação já conhecida a revelar a tendência de crescimento exponencial e, muito provavelmente, teremos um 2023 a 'cilindrar' todos os valores históricos no 'motor' da economia regional.
Ora, este volume de procura pelo turismo da Madeira, que nunca esteve tão na moda (inclusive pelo turismo nacional) como agora, só que tem criado algumas críticas, nomeadamente por a Madeira estar a gerar turismo de massas, ideia que sempre foi negada pelos diversos governos regionais, inclusive o actual, que não quer ser igual a Canárias, por exemplo.
Se a despesa por turista tem subido esponecialmente, como tem acontecido, não têm que temer a qualidade. E, aliás, nós nunca seremos um turismo de massa porque não temos camas suficientes para isso. Nós temos 33 mil camas. Qualquer destino de turístico que tem 33 mil de camas é um destino pequeno ou exíguo. Se comparar com Canárias ou se comparar com as Baleares, é quase nada. E o plano do ornamento turístico admite apenas 40 mil camas até 2027. Portanto, isso é uma questão que é falsa e é uma questão que ninguém tem que temer. O que tinha que temer é se o preço do RevPAR estivesse a descer e tínhamos que temer era se isto estivesse às moscas e não tivesse turistas. Miguel Albuquerque, presidente do Governo Regional da Madeira, esta semana à pergunta sobre se havia o risco de perda de qualidade do destino por excesso de turistas
Ora, segundo o Programa de Ordenamento Turístico da Região Autónoma da Madeira, aprovado há pouco mais de seis anos (publicado no Jornal Oficial da Região Autónoma da Madeira a 8 de Junho de 2017), "para o horizonte temporal do POT (2027) é estabelecido um valor de referência para a gestão do crescimento da oferta de Empreendimentos Turísticos, para a Região Autónoma da Madeira, de acordo com o Cenário de Referência selecionado, e que é de 40 000 camas", refere-se no documento.
Para que conste, estabeleceu-se que "quando se alcançar as 40 000 camas em exploração, deve ser realizada a monitorização do POT, sem prejuízo do estabelecido na legislação em vigor no que se refere à monitorização, e ponderada a necessidade de antecipação da sua revisão, no todo ou em parte" e, "para evitar que se percam oportunidades de investimento, aquando do processo de monitorização e/ou revisão do POT, é considerada uma bolsa adicional de 1000 camas".
Olhando às estatísticas recentes, fica claro que não só já temos mais camas disponíveis para os visitantes do que no passado recente, como já antes da pandemia eram mais de 35,7 mil camas (capacidade alojamento), mas apenas quase 30 mil destas na hotelaria. Mas a pandemia fez recuar todos os indicadores que, no último ano e já este ano, recuperaram os níveis de crescimento anteriores e já estão perto de 38 mil camas (quase 32 mil na hotelaria e as restantes no alojamento local e no turismo rural e de habitação).
Olhando mais afincadamente para estes dados, ficamos a perceber que nem sequer estão contabilizadas todas as camas disponíveis para alojamento turístico, uma vez que, por exemplo, não são contados aqueles alojamentos locais com menos de 10 camas. E são milhares de camas. Embora neste subsector a pandemia tenha refreado o ímpeto de crescimento que vinha tendo antes, o recente crescimento da procura tem levado muitos desses micro-negócios a regressar ao activo.
Além disso, nos grandes números disponiblizados pela Direcção Regional de Estatística da Madeira, divulgados mensalmente, e no quesito particular da capacidade alojamento as camas disponíveis num ano são contabilizadas à média mensal. No ano passado, pelo menos em três meses, a oferta de camas já teria ultrapassado o estabelecido pelo POT se o alojamento local contasse para este documento regulador.
Como referido, 2023 está a fixar a fasquia ainda mais alta, podendo a Madeira vir a ultrapassar 10 milhões de dormidas - ou até mais se se mantiver a média de crescimento face a 2022 e a diferença actual, já estabelecida em apenas cinco meses de mais de 900 mil dormidas - quando no ano passado superou 9,5 milhões de dormidas. O próprio presidente do Governo Regional da Madeira já o admitiu há algumas semanas.
A verdade é que ainda há muita vaga por ocupar nos quartos disponíveis. No ano passado a taxa líquida de ocupação-cama (relação entre o número de dormidas e o número de camas disponíveis no período de referência, considerando como duas as camas de casal) foi de 62,3% e a taxa líquida de ocupação-quarto (relação entre o número de quartos ocupados e o número de quartos disponíveis no período de referência) foi de 70,2%. Este ano, de Janeiro a Abril as percentagens estão nos 62,6% e 72,9%, respectivamente.
Só na hotelaria a taxa média de ocupação-cama foi de 64% em 2022 e este ano está ainda nos 62,4%, mas ainda não chegamos à época alta. Na taxa de ocupação-quarto, no ano passado foi de 73,1% e em 2023, antes do período de maior procura, nos primeiro quatro meses já ronda essa média, à média de 72,9%.
Também é verdade, e voltando à questão do limite de camas, que em Março deste ano o secretário regional do Turismo e Cultura lembrava que o POT não vai permitir o regresso dos anos 1990, quando ocorreu um 'boom' na oferta hoteleira. "Entende que até 2027 a Madeira não pode ter mais de 40 mil camas no alojamento tradicional. Actualmente tem neste segmento 34 mil camas, a que acrescem as 23 mil camas no alojamento local", escrevíamos no artigo publicado a 3 de Março. Ou seja, 57 mil camas.
Por tudo isto, vale recordar que só se contabiliza o alojamento turístico tradicional e não todo o alojamento turístico disponível. É que para as estatísticas oficiais o alojamento local vale para os hóspedes e para as dormidas, por exemplo, muito mais do que o turismo rural e de habitação, ainda que nem sequer toda a oferta seja contabilizada. Portanto, a Madeira, neste momento, tem oferta global contabilizada a ultrapassar as 33 mil camas, chegando mesmo a ultrapassar as 40 mil em 2022 (e provavelmente este ano), e nem sequer são contadas todas as camas disponíveis. E apenas tal não ocorre porque não ficou estabelecido no POT.