Madeira quer lei para equiparar drogas sintéticas às clássicas sem "zonas dúbias"
O diretor da Unidade Operacional de Intervenção de Comportamentos Aditivos e Dependências (UCAD) da Madeira, Nelson Carvalho, alertou hoje para a importância de a lei equiparar as drogas sintéticas às clássicas sem criar "zonas dúbias".
"A iniciativa [legislativa] do PSD faz todo o sentido e é pertinente para a Madeira e os Açores. Em relação à do PS, cria alguns termos dúbios que nos preocupam", disse à agência Lusa Nelson Carvalho, referindo-se aos projetos de lei dos dois partidos que propõem equiparar as novas substâncias psicoativas (NSP) às drogas clássicas e que vão ser debatidos hoje na Assembleia da República.
O diretor da UCAD Madeira disse que a proposta do PSD visa apenas equiparar as NSP às drogas clássicas em termos de tráfico e consumo, com referência às quantidades, ao passo que o projeto do PS "cria algumas zonas cinzentas", nomeadamente o artigo 40.º, ao referir que a aquisição e detenção de substâncias em quantidade necessária para consumo médio individual durante o período de 10 dias constitui um "mero indício de que o propósito pode não ser o de consumo".
"Criam-se algumas zonas cinzentas, dúbias, que depois podem dar azo a que indivíduos que tenham quantidades acima do que é permitido possam provar em tribunal que é para seu consumo, quando efetivamente era para traficar", alertou Nelson Carvalho.
"O alerta que deixo é que haja bom senso da parte do Partido Socialista e que retire o artigo 40.º", sublinhou.
O responsável disse que o atual quadro legislativo "funciona bem", faltando apenas a atualização em relação ao consumo e tráfico de NSP, que considera ser fundamental para "dar ferramentas aos tribunais e às forças policiais e para proteger o consumidor".
"O que interessa aqui é equiparar as novas drogas com as clássicas. Todo o resto não traz nada de novo, antes pelo contrário, faz mais ruído e põe em risco o funcionamento correto e eficiente dos tribunais e das polícias", alegou.
Os projetos de lei do PS e do PSD propõem a atualização do decreto-lei de 1993 que aprova o regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, para acautelar situações de desigualdade entre novas substâncias psicoativas e drogas clássicas e distinguir os traficantes dos consumidores, permitindo a posse de pequenas quantidades para consumo.
Na segunda-feira, o ministro da Saúde, Manuel Pizarro, defendeu que "tem que haver muita prudência" no processo de descriminalização das drogas sintéticas para que uma "boa ideia" não interfira na distinção entre consumo e tráfico.
Também o ministro da Administração Interna, José Luis Carneiro, disse em declarações à RTP3 que é necessária ponderação. Em causa está a quantidade de droga que cada pessoa pode ter em sua posse sem ser considerado tráfico.
Segundo o "Relatório Europeu sobre Drogas 2022: Tendências e evoluções", foram apreendidas em 2020 quase sete toneladas de drogas sintéticas, substâncias que são vendidas pelas suas propriedades psicoativas, mas não são controladas ao abrigo das convenções internacionais em matéria de droga.
Na Região Autónoma da Madeira, o consumo de drogas sintéticas é bastante expressivo e já motivou 85 internamentos este ano na Casa de Saúde São João de Deus, um estabelecimento de referência na área da psiquiatria, saúde mental, tratamento de toxicodependências e reabilitação psicossocial no arquipélago.
Três pessoas já foram internadas mais de 15 vezes à conta das novas drogas na Madeira
Em 2022 procederam-se a 203 internamentos na Casa de Saúde São João de Deus, sendo 176 compulsivos
Entre janeiro de 2012 e junho de 2023, o total de internamentos na região foi de 1.890, dos quais 1.158 compulsivos.