Desporto

Primeiro paraplégico a terminar ultramaratona mostra que há vida além da lesão

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A vida não acaba quando se cai numa cadeira de rodas e a determinação consegue empurrar os limites do impossível, considera Nuno Sobral, que se tornou o primeiro paraplégico a terminar uma ultramaratona em Portugal.

O atleta de 46 anos, que há sete anos ficou com lesões na coluna, após um despiste de mota, fez este mês os 281 quilómetros entre Belmonte e Proença-a-Nova numa bicicleta adaptada, acompanhado do treinador de longa data, Sérgio Melo, num percurso alternativo desenhado pela organização, com subidas com declives de 6% e que demoravam mais de duas horas a ultrapassar, debaixo de muito calor.

A exigente prova, de quatro dias, devia ser concluída num máximo de 66 horas e a dupla tinha apenas a certeza de cortar a meta, independentemente do tempo, pelo que foi uma surpresa quando perceberam que a preparação lhes permitiu concluir a longa distância em 52 horas.

Pelo caminho, pela cabeça do lisboeta Nuno Sobral, que toda a vida teve uma prática desportiva intensa, passou-lhe "tudo e nada", especialmente a filha Maria Francisca, ginasta de nove anos, nascida dois anos antes do acidente.

"Pensei no orgulho que quero que ela tenha no pai. Em querer transmitir-lhe que, independentemente dos desafios que nos apareçam à frente, podemos ultrapassá-los, mas também tentei passar às pessoas um rasgo de esperança, para perceberem que ela existe onde pode não parecer", disse Nuno Sobral, em declarações à Lusa.

O antigo militar, com uma missão cumprida na Bósnia, em 1997, acredita que a sua formação contribui para a sua "vontade de querer vencer".

Nuno Sobral admitiu que encarar a realidade de estar paraplégico "é um choque", mas "ou se fica num sítio menos bom, ou tenta-se arranjar forma de sair dele" e salientou que foi o desporto que o salvou.

O ex-proprietário de um restaurante esteve cinco meses no hospital e passou por três internamentos num centro de reabilitação. Quando passou para a cadeira de rodas e percebeu que podia ter mobilidade, ainda que reduzida, começou a procurar desportos que a sua condição lhe permitia praticar.

"A partir do momento em que percebi que me podia movimentar, foi como se ganhasse asas", acentua o atleta, que foi aumentando o leque de desportos e percebeu que "quase sempre os limites estão na nossa cabeça".

Terminar a PT 281 Ultramarathon foi uma forma de demonstrar que é possível "derrubar barreiras aparentemente intransponíveis" e incentivar outros a superarem-se, disse Nuno Sobral.

"De uma forma geral, as pessoas precisam ver alguém que acham que fez algo impossível para também acreditarem", referiu o atleta, que quer ajudar outros paraplégicos, embora ressalve que "cada um tem o seu tempo e a sua maneira de reagir".

Há um mês formalizou a Associação Nuno Sobral, que pretende "levar os desportos a toda a gente", mostrar em centros de reabilitação o que pode ser feito e transmitir que "qualquer tipo de patologia permite fazer desporto", que o desporto ajuda à inclusão e que "a vida não acaba ali, há vida além da lesão".

Sérgio Melo, brasileiro de 50 anos e companheiro de treino desde antes do acidente, destacou o poder da mente nas situações em que é necessário um recomeço e sublinhou que a ultramaratona de Nuno Sobral mostra que "não são as pessoas que são limitadas, são as pessoas que se limitam".

"O Nuno tem a resiliência no seu ADN. Não andar não o impede de fazer uma ultramaratona, que pessoas dotadas de toda a sua capacidade física não fazem, porque acham que não são capazes. Todo o mundo pode fazer tudo, se estiver predisposto a isso. As pessoas não se devem viciar na ideia de que são coitadinhas. O exemplo do Nuno demonstrou que o limite não existe", frisa o treinador.