“Sinister Season”
Mais de 81 mil madeirenses estão em risco de pobreza. Não há como o negar
1. Música: Volto a Chico Science com um texto escrito ao seu jeito:
Emergência! Um choque rápido ou morremos de enfarte. Não é preciso ser médico para saber que a maneira mais simples de parar o coração é obstruindo as suas veias. O modo mais rápido de esvaziar a alma de uma terra é matar por dentro. O que fazer para não afundar na depressão crónica que nos paralisa? Como devolver o ânimo, deslobotomizar e recarregar as baterias? Simples. Basta injetar energia na lama e estimular o que ainda resta de fertilidade nas veias e nas cabeças dos que se atrevem a dizer: NÃO.
2. Livro: “Lucro”, de Mark Stoll, é uma introdução muito decente à tentativa de historiar o caminho que a humanidade teve ao longo da existência seguindo uma perspectiva ambiental. Questões para pensar relativamente a um futuro que se nos apresenta muito turvo.
3. É costume, todos os anos, quando chega o verão, entrarmos no que politicamente se chama “silly season” (em português qualquer coisa parecida com “temporada da parva”). Normalmente é uma altura do ano onde pouco se passa, em que, embalados pelo calor estival, os políticos, aproveitam para falar sem nada dizer, ou mesmo dizendo coisas sem sentido. Entre nós, e penso que devido às eleições de Setembro, conseguimos ultrapassar isto e entramos numa espécie de “sinistre season” (“temporada sinistra”). Pouco faz sentido, anuncia-se tudo e mais alguma coisa, distribui-se dinheiro a torto e a direito, promete-se, vende-se, oferece-se, tudo num verdadeiro “bodo aos pobres”, que o são cada vez mais pobres e em maior quantidade. Atentem que vivemos numa terra onde muitos têm emprego e mesmo assim não conseguem descolar dos índices de pobreza. Trabalhar honestamente já não consegue suprir as necessidades básicas de muita gente, que se vê obrigada a recorrer a todo o tipo de apoios para ter uma vida com um mínimo de dignidade.
Mais de 81 mil madeirenses estão em risco de pobreza. Não há como o negar. No índice de pobreza a Madeira foi ultrapassada pelos Açores em 0,1%, e já não somos os últimos da lista. E com isto o PSD Madeira fez uma festa. O que não diz é que a Taxa de Risco de Pobreza e Exclusão Social na Madeira não parou de aumentar. Se em 2021 estava nos 28,9%, em 2022 subiu para 30,2%.
Aqui há umas semanas acordámos com o Funchal cheio de cartazes que enunciavam as “realizações” do PSD. Os tais cartazes que demonstraram o respeito e consideração por quem, com eles, compartilha o Governo. O “pequenino” CDS não passa de um bibelô, daqueles que se punham em cima da televisão antiga, pousado sobre uma pequena toalha de croché que já viu melhores dias. Num deles anunciava-se com toda a pompa e circunstância que o programa PRAHABITAR apoiava a compra de habitação a jovens até aos 35 anos. Dias depois é o próprio secretário Pedro Fino que reconhece, na ALRAM, que o programa não teve uma única inscrição para aquisição de habitação.
No paraíso que nos vendem, o imposto sobre os combustíveis (ISP) não só retomou os valores que tinha, como aumenta há oito meses consecutivos.
O INE (Instituto Nacional de Estatística) revelou que a Madeira ocupa o 22.º lugar no índice de coesão, muito abaixo da média nacional. Atrás só o Baixo Alentejo, o Douro e os Açores. Se formos ao índice de competitividade, onde continuamos abaixo da média nacional, ocupamos a 13.ª posição. Vá lá que no índice de qualidade ambiental estamos bem na frente, com Trás-os-Montes.
O Tribunal Europeu rejeitou a limitação de TVDE’s em Barcelona. Decidiu que a medida é contrária à lei da União Europeia. Ou seja, agora existe jurisprudência europeia que anula o que o foi legislado, limitando o número e modo de funcionamento dos TVDE’s na Madeira, que levou a UBER a deixar de operar no arquipélago.
Desde 2015 o Ordenado Mínimo aumentou cerca de 270 €. Dizem os de sempre, esquecendo serem cada vez mais os que o ganham e que o custo de vida também aumentou. Que por cá o valor do OM é maior do que no continente. É verdade, mas não temos nós de pagar por tudo o que importamos, via uma porta de entrada caríssima, o que faz com que por cá os preços sejam superiores? Quando forem a Lisboa passem num mercado ou num supermercado e comparem os preços.
Nos últimos quatro anos foram feitas 7.228 adjudicações pelo Governo Regional sem qualquer concurso, quase o dobro dos procedimentos com concurso. São 64% de todas as aquisições feitas.
E o que dizer da confusão da previsão do número de dormidas para este ano, no que ao Turismo diz respeito? Cada um diz um número e tudo somado não bate a “bota com a perdigota”. Mas não vos chateio com as contas.
Miguel Albuquerque, do alto da sua sabedoria infinita, diz que o nosso(?) “sucesso passou pela destruição de uma sociedade estratificada”. A frase atingiu-me como um raio. Andei meio-abananado por uns dias. Numa terra onde meia dúzia põe e dispõe, onde o cartão do partido é uma espécie de “golden visa” para aceder a emprego, a posição, a acesso a tudo e mais alguma coisa, numa terra onde a “famiglia” é sinal de status, onde o nepotismo impera, numa terra de jeitinhos e de cunhas, falar de sucesso por se destruir um modelo de sociedade, que, a ter sido assim, foi prontamente substituído por outro muito pior, é uma espécie de pornografia verbal barata.
“Não há turismo de pé rapado”, diz o Secretário da pasta. No entanto, eles andam aí. Tendas montadas inopinadamente nas serras, carros que se alugam e que servem também para dormir, etc.
Tudo se promete, desde a estrada entre o Jardim da Serra e o Curral das Freiras, um teleférico que parece um autocarro a voar pelos céus curraleiros, projectos encaixados à força aqui e ali, Grandes Rotas, Casas da Música, recuperação de S. Tiago, e o Toco que volta, e o novo campo de Golfe, e rotundas a desfazer nós, e estacionamentos em todo o lado, e túneis, e uma gare nova no aeroporto do Porto Santo, e um centro tecnológico por trás da Industrial, e recuperação de postos florestais ao abandono, e núcleos museológicos, e mercados reabilitados, e as levadas como património, e… e… e…, mas tudo para depois de Setembro…
E para acabar PSD e CDS e a relação com o CHEGA. Parece a “Canção do Beijinho” do Herman:
Albuquerque e Barreto em uníssono: oh chega cá…
Chega: não vou!
Albuquerque e Barreto em uníssono: tu és tão linda…
Chega: pois sou!
Albuquerque e Barreto em uníssono: dá-me um beijinho…
Chega: não dou!
Muito mais havia para dizer desta “sinister season”, mas fiquei sem caracteres. E isto já parece pateta o suficiente.