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Manetas

No imaginário dos portugueses, ficou marcada a expressão “ir para o maneta”, com o significado de acabar muito mal.

Durante a Primeira Invasão Francesa (1807-1808), Louis Henry Loison, general de divisão do exército francês, tornou-se famoso pela sua crueldade e cupidez, torturando e matando numerosas pessoas. O general ficara sem um braço, num acidente de caça (coisa estranha num militar com o seu currículo!), ficando conhecido entre nós pelo Maneta.

Da memória dos povos, fica esta ingénua composição: Aos alheios cabedais/ Lançava-se como seta/Namorava branca ou preta/Toda a idade lhe convinha/Consigo três emes tinha/Manhoso, Mau e Maneta.

O seu mau feitio nem podia ser atribuído a desejo de vingança: afinal, perdera o braço num acidente...

Mas outros manetas houve, sem esta carga odiosa.

Bernardo de Sá Nogueira de Figueiredo (1795-1876), 1.º Marquês de Sá da Bandeira, militar e político, figura importante do Liberalismo em Portugal, várias vezes ministro, era também maneta. E a ele se deve, por exemplo, a abolição da escravatura nas colónias e a fundação da Escola de Guerra, actual Academia Militar.

O Almirante Horatio Nelson, o mais famoso marinheiro inglês, falecido em 1805 durante Batalha de Trafalgar (que ganhou pelo seu génio), era também maneta e zarolho.

Mas há outros manetas, menos ilustres.

Segundo uma tradição de alguns países islâmicos, a pena aplicada aos ladrões é a amputação da mão. Coisa bárbara, mas não exclusiva desses povos. Lembremos as condições da doação da Madeira ao Infante D. Henrique. Era-lhe concedido o Arquipélago, com as suas rendas, e a administração da Justiça, excepto a pena de morte ou talhamento de membro, que ficavam reservadas a El-Rei.

Ou seja, continuava a ser privilégio real a passagem à categoria de maneta.

Posta a questão da legitimidade deste uso a um teólogo egípcio, respondeu ele que “quem lhe cortou a mão foi ele mesmo, porque quando roubou sabia bem qual a pena correspondente”.

Um modo de ver as coisas.

Vamos supor que regressamos à época do “talhamento de membro”. Os condenados abundariam, e seriam facilmente reconhecidos na via pública.

Imaginemos o cortejo dos amputados nos dias de hoje, com julgamentos mediáticos de ilustres figuras, que passariam a ostentar, em vez de discretas pulseiras electrónicas (por sinal, usadas no tornozelo), um conspícuo coto, visível a todo o momento.

Haveria decerto quem desse a volta à situação. Assim como “eu sou como o Marquês de Sá da Bandeira, falta-me uma mão”, ou, “tal como Nelson, sou maneta”.

Deste modo a marca da infâmia tomaria outros contornos, deslizando para uma forma de distinção.

Tal como um colunista mordaz se referia ao “glamour da Carregueira”.