Confiar em quem confiámos a Autonomia
«Neste momento, o que não precisámos é de socialistas para rebentar com a economia [da Madeira] e voltar tudo para trás».
Julgo que a frase proferida por Miguel Albuquerque diante de dezenas de milhares de Madeirenses e Porto-santenses no último domingo, na festa do Chão da Lagoa, é da maior importância, se devidamente compreendida.
Há nela um certo paralelismo entre o nosso passado, no período anterior à Autonomia Política – de subsistência, pobreza e sobretudo de ausência de perspetivas de futuro, de melhoria das condições de vida das populações – e um hipotético futuro próximo se, após 24 de setembro os destinos do nosso Povo e da nossa Terra passassem para as mãos de forças políticas, cujos valores, identidade e ação não são fundados na Autonomia.
É certo que os ganhos decorrentes da Autonomia foram graduais. Todo o fruto tem o seu tempo. E a obtenção de resultados em política não foge à regra.
Assim como, nenhum dos nossos governos eleitos desde 1976 fugiu à regra da defesa a toda a prova dos interesses da nossa Terra e das suas populações.
Esta é na verdade uma das marcas mais evidentes dos Governos de Alberto João Jardim e, nos últimos oito anos, de Miguel Albuquerque.
Sobressai igualmente, hoje, e apesar das mudanças ocorrerem de forma gradual, uma Madeira irreconhecível sob todos os aspetos, quando comparada com a anterior a 76 ou com a dos primeiros anos de Autonomia, quando se iniciou um trabalho hercúleo em virtude da realidade social, económica e infraestrutural herdada do Estado Novo.
Havia já redigido a maioria destas linhas quando presenciei uma curiosa e honesta conversa entre dois homens de meia idade, no exterior de uma mercearia, num concelho rural:
– Eu sei melhor do que a tua mulher as dificuldades por que passaste em criança. Se eu tive uma vida dez vezes mais difícil, a tua foi mil vezes mais difícil.
– É verdade. Sabes, porque cresceste ao meu lado.
– Lembro-me de ir para a serra apanhar madeira, pinhas e caruma para vocês terem lenha para a semana para cozinhar. Mas eu não me importava de ir lá para cima e descer carregado só para brincar com os barcos de casca de pinheiro na levada do Norte.
– E o cheiro que aquilo tinha… Isso tem trinta e tal anos!
– Sim. Lembrei-me disso hoje ao descer para vir ter contigo.
Este diálogo, que nos dá conta da alegria das brincadeiras simples de vidas ainda duras para acorrer às necessidades quotidianas da família, remete-nos, considerando o tempo decorrido, algures para os anos 80, provavelmente dentro da primeira década da nossa Autonomia Política.
E serve para recordar que nada nos foi oferecido:
– Nem a Autonomia Política, nem, com ela, a possibilidade de elegermos órgãos de governo próprio.
– Nem as transformações sociais e económicas, nem as escolas ou os centros de saúde, as vias de comunicação, os espaços de cultura e de desporto.
– Nem o crescimento económico (antes e após a pandemia) ou a criação de riqueza, de emprego, de diversificação da nossa economia.
São conquistas que resultam de valores inabaláveis e inegociáveis. Tal como Alberto João Jardim, Miguel Albuquerque disse-o, ao longo dos últimos anos, e repetiu no último domingo, dirigindo-se ao líder nacional do PSD, Luís Montenegro:
- «Para nós, primeiro está a Madeira e só depois está o partido».
O leitor recorda-se de algum líder do PS Madeira ter em alguma circunstância verbalizado ou praticado tal defesa da Madeira e dos Madeirenses, colocando-nos sempre – volto a frisar, sempre – acima de quaisquer outros princípios ou interesses, indo inclusive, sempre que necessário, contra a obediência cega ao seu partido e líderes em Lisboa?
Não, não se recorda.
A matriz e o registo histórico do PS-Madeira (passado e presente) não são marcados pela defesa intransigente dos superiores interesses da nossa Terra e Povo, porque esbarram reiterada e irremediavelmente na obediência às orientações nacionais do PS que, não raras vezes, são diametralmente opostas às nossas aspirações e anseios.
Em causa está o nosso futuro. E o futuro só pode ser confiado a quem confiámos as transformações da Autonomia.
Luís Freitas