Fragmentação do discurso político, a polarização e as redes sociais
Henry Kissinger, no seu recente livro Liderança, a propósito da sua experiência como Secretário de Estado e Conselheiro de Segurança Nacional durante a presidência de Richard Nixon, considera que a Guerra do Vietname dividiu internamente a sociedade americana, introduzindo um estilo de debate público centrado cada vez menos na substância, e mais nas motivações e identidades políticas, onde a raiva substituiu o diálogo como forma de resolver disputas, e foi promovida a um choque de culturas.
50 anos depois encontramos semelhanças com a realidade sociopolítica atual. A fragmentação do discurso político e público tem tornado difícil a construção de narrativas unificadas devido à complexidade dos problemas contemporâneos, ao extremar de perspetivas e à rápida circulação da informação, comprometendo o diálogo e aumentando a polarização.
As redes sociais desempenham um papel significativo neste fenómeno pois, ao oferecerem voz a todos, permitindo que cada um expresse e partilhe as suas opiniões, o que, em teoria, poderia ser maravilhoso, na realidade tem contribuído para a rápida proliferação de discursos extremados e informações erróneas e de difícil verificação, mais apetecíveis na partilha do que verdades comuns. Por outro lado, os algoritmos são utilizados para personalizar e direcionar conteúdos com base nas preferências de cada utilizador e projetados para um maior tempo de adesão às redes, o que promove a criação e o agrupamento dos indivíduos em bolhas ideológicas, interagindo principalmente com pessoas que partilham as suas visões e reforçando as crenças existentes e o sentimento de pertença a um grupo.
Este cenário tem sido aproveitado por atores políticos, que capitalizam a cólera social, simplificam problemas complexos e oferecem soluções e culpados fáceis. Beneficiam da dinâmica voraz dos algoritmos, das mensagens simples e emocionalmente fortes e apelativas, sendo grandes expoentes deste fenómeno o Movimento 5 Estrelas, Trump, o Brexit, Órban e outros, que têm arquitetado e explorado esta fenda no sistema, como bem retrata Giuliano da Empoli em Os Engenheiros do Caos.
Para enfrentar estes significativos desafios à estabilidade democrática, é necessário reverter pelo menos parte deste processo, através de um diálogo mais aberto e construtivo entre os diferentes atores intervenientes, promovendo o encontro de ideias e a busca do bem-estar coletivo. As redes sociais devem passar a promover a exposição dos utilizadores a perspetivas variadas e divergentes, evitando o efeito nefasto das bolhas que, embora tragam uma dinâmica de negócio lucrativa, a longo prazo podem ser destrutivas para todos. E importa potenciar esforços colaborativos entre a sociedade civil, decisores políticos e empresas tecnológicas, tendo em vista o combate à desinformação e a promoção da literacia digital.
Ainda segundo Kissinger, arriscamo-nos a esquecer que as sociedades democráticas se engrandecem, não por triunfos de uns sobre outros ou pela destruição de adversários internos, mas através de objetivos comuns e reconciliação. Ou segundo Yuval Noah Harari, é urgente que a humanidade e cada um de nós se conheça e saiba para onde vai, antes que os algoritmos o definam por nós.