Despertar consciências
Falta massa crítica, elevação, domínio de dossiers e sentido de oportunidade
Quem não conhecesse a Região e assistisse ao último debate do Estado da Região desta legislatura ficaria, no mínimo, confuso. Foram apresentadas e debatidas duas Madeiras distintas. A descrita pelo Governo Regional, repleta de recordes do Turismo pós-pandemia, pelo baixo desemprego (Junho recuou a mínimos de quase 17 anos) e pelos poucos beneficiários do Rendimento Social de Inserção, pela paz na educação, pelo sucesso da saúde e na habitação, numa terra de “baixa” carga fiscal, onde a estabilidade política da coligação permitiu, em quatro anos, o “progresso” em todos os sectores.
Um governo, em suma, que enfrentou “com sucesso a maior crise económica, social e de saúde pública da história”, ‘enriquecendo’ os seus habitantes e contribuindo para a felicidade colectiva. Palavra menos palavra é mais ou menos isto que podemos concluir do quadro pintado por Miguel Albuquerque e pela bancada do PSD/CDS no parlamento. O que de mal existe é, claro, culpa dos centralistas de Lisboa, que não “mobilizam nem reformam”.
Já a Madeira da oposição é negra. Profundamente desigual, com uma carga fiscal elevada e um risco de pobreza e exclusão de fazer corar qualquer governante, com listas de espera na saúde que duplicaram face a 2015. Mais de 100 mil actos médicos por realizar, dizem. Uma Madeira onde, enfatizaram, o salário médio é 300 euros inferior ao nacional e onde só pode comprar casa quem ganhe mais de 3.500 euros por mês! Pior, acusam os partidos de esquerda, muitas das promessas ficaram por cumprir. Perguntou o JPP pelo ferry de ligação a Lisboa? Decerto já teve acesso aos milhares de pedidos de madeirenses interessados em viajar, por via marítima, para o continente nos meses de Janeiro e Fevereiro do próximo ano...
No contra-ataque, quase sempre sem responder ao que era perguntado, o presidente do Governo e seus secretários preocuparam-se em dourar uma imagem (quase) paradisíaca da Região, onde ninguém fica de fora, onde todos podem contar com as ajudas públicas, numa terra de crescimento económico visível e livre das amararas ideológicas da esquerda que não gosta do desenvolvimento e só vê desgraça em todos os cantos.
O maior partido da oposição, num bocejo infindável, repetiu os argumentos e prometeu uma baixa de impostos efectiva, caso vença o sufrágio de Setembro. O modelo apresentado: o dos Açores!
Estratégia e visão foram pedidos por Miguel Albuquerque, que fez de Sérgio Gonçalves o ‘bombo da festa’, num debate com remoques, bocas, lateralidades dispensáveis e foco em Setembro.
Descendo à terra, o Estado da Região em modo eleitoral foi fraco em argumentos, no confronto de ideias, na apresentação de propostas inovadoras, corajosas e convincentes. Para que não seja esquecido convém recordar que o peso dos juros na prestação da casa triplicou num só ano e que os jovens qualificados ainda têm muita dificuldade em arranjar um emprego à altura, mantendo-se na periferia em vez de ocuparem o centro.
Fora as notas de cinismo político, avalie o cidadão atento, cumpridor, pagador de impostos em qual das Madeiras se encaixa e em qual quer continuar a viver e a trabalhar, se não tiver outra opção que não seja a de emigrar.
A democracia é isto, ter a possibilidade de optar entre os vários cenários apresentados e as diversas propostas lançadas pelos partidos. Não há outra forma de elegermos os nossos representantes. Cabe por isso aos partidos mais sentido de Estado e escolher melhor aqueles que vão ter lugar no parlamento. Falta massa crítica, elevação, domínio de dossiers determinantes e sentido de oportunidade. Elejam a competência e abominem os carreiristas que mal conseguem articular um pensamento de princípio ao fim. Que a próxima Assembleia não seja a continuação das comissões políticas nem dos conselhos regionais.