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Criar (o) futuro (XXI)

O futuro constrói-se com o foco na geração seguinte. Mas, entretanto, e para evitar que ocorra uma grave fratura geracional, é preciso agir no presente.

E, no tempo atual, um dos temas que deveria merecer a nossa especial atenção é a situação em que vive a chamada classe média, que sente, de forma ainda mais exacerbada, o impacto do aumento dos impostos, preços e juros, com as inevitáveis consequências negativas no seu poder de compra e qualidade de vida.

Claro que não podemos descurar o apoio aos mais vulneráveis, mas torna-se urgente olhar também para a classe média, espremida entre os mais carenciados, apoiados por medidas permanentes e/ou pontuais, e os mais ricos.

A ideia vigente sobre a classe média tem muito a ver com a noção de segurança e previsibilidade no que se refere ao futuro. Contudo, o retrato real do país diz-nos que fatores como a inflação, o fraco crescimento dos salários, o preço das casas a aumentar, fizeram com que haja uma notória diminuição do poder de compra, obrigando a dita classe média a mudar o seu estilo de vida, dado que já são muitos os que têm dificuldade em sobreviver a tantas adversidades face ao aumento do custo de vida, sem contrapartidas proporcionais nos rendimentos.

Hoje em dia, surge um termo que, infelizmente, faz algum sentido, é a classe média low-cost, que tem dificuldade não só em fazer face a despesas inesperadas, mas enfrenta momentos complicados, pois, mesmo trabalhando, há quem não consiga pagar a renda ou prestação da casa, ou do carro, e, por vezes, nem a totalidade das compras do supermercado. Agora, para além de uma geração nem-nem, surge uma classe média nem-nem, pois nem recebem subsídios, nem auferem rendimentos elevados.

E tudo isto põe em causa a coesão da sociedade e a própria democracia, pois a classe média é a verdadeira alavanca para o nosso país. São necessárias respostas, propostas e, sobretudo, ações imediatas, para que consigamos garantir às novas gerações que vão ter uma vida melhor do que os seus pais.

Soluções?

A classe média tem de ser tratada como pilar da dinâmica social e económica, o espelho do funcionamento do elevador social, o elemento catalisador de um futuro melhor.

Antes de mais, as políticas públicas têm de configurar decisões e ações pensadas de maneira a garantir a eficácia e equidade, salvaguardando o interesse público e que se traduzam em efetivos e duradouros resultados positivos para a sociedade.

Penso que tem de se verificar um reforço no alívio fiscal, nomeadamente em termos de IRS, e um aumento dos salários, dada a compressão nos rendimentos da classe média, que quase não se distinguem dos valores do salário mínimo.

Por outro lado, embora com impacto positivo no imediato, não podemos esquecer que medidas recentes como a alteração das tabelas de retenção na fonte não é mais do que adiantamento de dinheiro que já é do contribuinte e o aumento das pensões decorre apenas da aplicação da lei.

São necessárias medidas assertivas e com impacto duradouro também ao nível da educação e da habitação.

Se, ao longo da vida, as pessoas adquirem mais formação e conhecimentos, devem ter retorno em mais e melhores oportunidades, com ganhos mais elevados. Apesar de termos a geração mais bem preparada de sempre, esse indicador positivo não tem, infelizmente e muitas das vezes, o necessário e justo reflexo nos salários. É imprescindível a aposta na educação e na formação ao longo da vida, e reforço dos apoios às famílias, com alargamento dos escalões de rendimentos abrangidos.

Relativamente às despesas com a habitação, sabemos que aumentou de forma exponencial, assumindo um peso significativo e com tendência a aumentar, agravando ainda mais a situação económico-financeira dos agregados familiares. Neste âmbito, para além das medidas de apoio ao pagamento de prestações e rendas habitacionais, é de salientar como boa opção a construção a custos controlados, em regime de renda acessível e resolúvel, bem como a possibilidade de compra de casa através de cooperativas de habitação.

Em suma, exigem-se soluções disruptivas, que contribuam de facto para aumentar o rendimento das famílias. E nesse processo não pode deixar de acontecer, na sociedade democrática que somos, diálogo e debate. Face aos desafios societais, tem de haver um verdadeiro pacto de regime em áreas estruturantes, com respostas consistentes e que permitam transmitir segurança e certeza para o dia a dia dos cidadãos.

Caso nada se faça, há o risco de se aprofundar, de forma irreversível, o fosso entre ricos e pobres, pondo em risco o bem-estar de muitas pessoas, e contribuindo para que nos afastemos a passos largos do futuro coeso, próspero e justo que almejamos.

Urge que os programas de governo, nomeadamente para as próximas eleições regionais, apresentem orientações e políticas sociais com forte pendor de solidariedade e inovação social, e que, efetivamente, não deixem ninguém para trás, num compromisso inequívoco com as reais e legítimas aspirações das pessoas, fomentando a esperança no presente e futuro das atuais e novas gerações.