Há gostos que se discutem
O PS tem uma forma de amar paradoxal. Terá algum estudo que valorize as contradições?
Não demos muito pela presença de António Costa que veio à Madeira gozar umas miniférias de forma tranquila, mesmo que sentindo vento, calor e outros efeitos da ultraperiferia nem sempre atendida com urgência pela República. Apenas notámos que nas jornadas parlamentares socialistas evitou abordar dossiers pendentes com a Região, que quis falar para o País, que privilegiou ataques à oposição nacional e que se demarcou por completo dos ataques do PS local aos grupos empresariais. O hábil primeiro-ministro sabe como poucos que o contencioso das Autonomias nunca terá fim, que o PS é oposição no arquipélago e que a diabolização de quem gera empregos e riqueza tem custos eleitorais inimagináveis.
Não admira por isso que tenha voltado a declarar-se à Região, assumindo publicamente uma relação amor-ódio: “Sabemos que a Madeira nem sempre gosta do PS, mas os madeirenses podem estar certos que o PS gosta da Madeira”. Em qualquer uma das partes desta equação, há mais dúvidas do que certezas, logo, não se afigura prudente fazer depender um hipotético êxito eleitoral desta imprevisível arte de gostar.
Até porque António Costa, tal como outros líderes dos partidos políticos nacionais, tem pela Madeira um amor nitidamente platónico. É evidente a falta reciprocidade, o relacionamento muitas vezes impossível e a propensão para o ciúme, tal a frequência com que as partes se perdem em generalidades debitadas, sem afecto, nem estima, e com recurso frequente à desculpa fútil.
A um e a outros, falta-lhes becos e povo, bom senso e percepção da diversidade que se vive em cada instante. Nas ilhas os eleitores não frequentam os mesmos lugares, não são todos do mesmo partido, clube ou religião e, ao contrário do que julgam os doutos centralistas, não são ignorantes. Fazem escolhas, como em qualquer outra parte do País, de acordo com as propostas que vão a votos, com os desempenhos de governo e das oposições e com as convicções pessoais. Tudo conta, da competência à notoriedade.
O amor político é lindo, mas carece de provas inequívocas e soberanas de interesse genuíno pelas pessoas, votem ou não, no partido que lhes paga os bilhetes de avião, a espetada regional e o molho de vilão. Se assim não for, as contradições multiplicam-se. Até mesmo entre socialistas. Basta ver a forma paradoxal como lidaram na última semana os de cá e os de lá com o Grupo Pestana que é madeirense com orgulho, e que faz negócios de sucesso há mais de 50 anos por todo o mundo.
Nuno Mascarenhas é socialista e presidente da Câmara de Sines desde 2013. Quando viu Dionísio Pestana colocar a primeira pedra no Pestana Porto Covo Village, - o seu quarto empreendimento na costa alentejana, um projecto imobiliário que ronda os 50 milhões de euros, já com 90% dos alojamentos vendidos -, manifestou “grande satisfação” com o investimento “que vem não só qualificar a nossa oferta turística, como beneficiar muito qualitativamente a aldeia de Porto Covo”.
Andreia Caetano também é socialista, foi adjunta de Paulo Cafôfo na Câmara do Funchal e actualmente representa o Grupo Municipal do PS-Funchal. Perante o empreendimento de luxo na zona da Praia Formosa promovido pelo Grupo Pestana, em parceria com CR7, considerou que o processo está ferido de “opacidade e ilegalidades” e que 80% dos apartamentos de luxo que fazem parte deste complexo foram vendidos “numa altura em que nada transparecia sobre as efectivas intenções da autarquia relativamente à revisão do PDM”.
Os dois madeirenses que investem na sua terra têm ainda o condão de transformar os antigos terrenos da Shell em jardins públicos, uma promenade com uma extensão de 1.000 m2, estacionamentos cobertos entre 600 a 650 lugares rotativos públicos, 8 a 9 acessos ao mar públicos e gratuitos, ficando ainda uma área reservada à instalação de apoio à praia, que será concessionada. Mesmo assim, os burocratas socialistas locais, de memória curta, acham estranho que os promotores vendam fracções ainda em projecto e que tudo configure aldrabice e arranjinhos.
Como podem dois dirigentes socialistas, de duas origens distintas, mas pertencentes ao mesmo partido, ter do mesmo grupo hoteleiro duas visões tão díspares?