Crónicas

De um filho para outro filho

Bom dia Nuno.

Carta aberta de um filho para outro filho:

Primeiro os factos: não te conheço a ti ou à tua mãe. Nem tu me conheces. Acabei de chegar ao grupo, primeira e única vez que joguei com o pessoal foi na passada 5a feira e pela tua foto creio que não estavas. Portanto, nunca te vi mais gordo, algo positivo para ti. Mais a sério, poderia deixar uma linha lá no grupo com os meus pêsames, os meus sentimentos, um abraço, etc. Não sendo mentira seria também uma coisa algo leve, automática, na sequência das mensagens do resto do grupo. Não sei se fazes parte dos mais bem-dispostos e brincalhões, se dos mais introvertidos e gostas de estar na tua. Portanto aceita esta partilha com a melhor das intenções.

Faz precisamente este mês (maio) 10 anos que estive a última vez com a minha mãe. Sou da Madeira, vim para o continente em 2003, há quase 20 anos...Durante vários anos a minha mãe lutou contra uma doença que acabou por ser mais forte do que ela. Estando longe nos últimos 10 anos de vida dela, não acompanhei muito do que ela passou, mas tentei estar presente, interessar-me e apoiar dentro do possível. Em maio de 2013 após sugestão dos médicos, depois de mais um internamento difícil, foi-me recomendado ir até lá, quase como aproveitar para uma despedida em vida. Quando voltei ao continente sabia que poderia ter sido a última vez que teria estado com a minha mãe, nesses dias cheguei a acompanha-la a consultas em que a decisão de abdicar dos tratamentos foi consumada.

Em julho de 2013 acabou por falecer. E maio foi mesmo a última oportunidade de estar com ela. Poderia ser história de filme, mas não. A última vez que falamos foi a um sábado, anunciei que ela ia ser avó pela primeira vez, a minha mulher estava grávida do meu filho mais velho. Que boa notícia. Na quarta-feira seguinte, 24 Julho, acabou por morrer. Uma morte anunciada mas inesperada porque estava bem nos últimos dias e na véspera foi hospitalizada e foi tudo muito rápido. Tinha 47 anos... Não teve tempo para tanta coisa que podemos fazer quando estamos um pouco depois do meio do caminho. Não conheceu os netos, não teve tempo para se reformar mais tarde, para descobrir coisas novas que lhe pudessem encher a vida. Como disse em cima escreve este filho para um filho que acaba de perder a mãe. Não sei a idade da tua mãe, o quão próximo eram. Se foi algum inesperado, se foi algo também anunciado.

O que te posso dizer neste momento é que dói assumir a perda, saber que nunca mais vais poder falar e ter uma resposta do outro lado. Não vais ter a preocupação boa de quem ama, de ti para ela e de ela contigo e com os teus. Esse vazio vai ser ocupado pelos dias, pela vida a acontecer, com o trabalho, os filhos, a casa. E vão ficar as memórias boas, aqueles sorrisos de momentos leves que partilhamos, aquelas comidas que marcaram a nossa infância, aquelas experiências de ir aqui e acolá com a mãe para trás e para a frente e que agora replicamos com os nossos filhos. Mais uma vez, não te conheço Nuno, podemos nos cruzar na rua e nem falamos por agora, não sei o que fazes, o que não fazes, o que tens ou o que não tens… provavelmente nem serás um gajo muito destas lamechices, desculpa lá qualquer coisinha. Por (d)efeito de formação estou mais disponível para este tipo de testemunho, por experiência própria também estou habilitado a escrever estas linhas.

Um abraço, com amizade neste momento triste e de dor, mas que saibas também que a tua mãe partindo deixa nas tuas mãos a oportunidade de mostrares que ela fez um bom trabalho enquanto mãe e mulher, pela forma como te apresentas aos outros.

Texto longo mas de coração. Pensei bem antes, escrevo... não escrevo… Que se lixe, mal não faz, e se ajudar um bocadinho a reconfortar a tristeza natural então já serviu para alguma coisa. Força aí!