Cultura misógina "é permitida e autorizada" no Brasil
A ministra das Mulheres do Brasil, Cida Gonçalves, considera que a cultura misógina "é permitida e autorizada" num país que vive um fenómeno de violência contra as mulheres.
"Nós estamos com um fenómeno no Brasil que é o aumento da violência. Eu acho que não só no Brasil, mas no mundo, mas aqui no Brasil a gente tem um aumento do feminicídio, o aumento da violência sexual, agora estamos com a violência política de género contra deputadas, vereadoras, prefeitas, violência contra jornalistas, e contra 'influencers'", denunciou a ministra brasileira, em entrevista à agência Lusa, em Brasília.
O Brasil, considerou, está "num caminho de uma violência sistemática trazida por uma cultura do Governo anterior, pelo ódio que se estabeleceu no Brasil e que precisa de ser enfrentado", disse, referindo-se ao Governo do ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro.
O Brasil registou um recorde de 1.410 homicídios de mulheres no ano passado, um número 5% superior ao de 2021 (1.337) e o mais alto desde que os casos de assassinatos de mulheres motivados pelo género começaram a ser medidos no país em 2017.
"Nós queremos discutir isso a partir da conceção da misoginia", no "ódio contra as mulheres, contra o fator que estimula o desrespeito, a violência contra as mulheres e inclusive a questão da desigualdade", frisou.
Um estudo divulgado em março pelo Instituto de Investigação Económica Aplicada (Ipea) indicou que 28,9% das mulheres foram vítimas de algum tipo de agressão no Brasil em 2022, num ano em que foram registadas 822.000 violações.
Duas mulheres são violadas a cada minuto no Brasil, mas apenas 8,5% dos casos são comunicados à polícia, de acordo com o Ipea, instituto gerido pelo Estado brasileiro.
Os adolescentes de 13 anos são as principais vítimas de violação, enquanto na maioria dos casos os autores são os namorados ou ex-parceiros da vítima, membros da família, amigos ou conhecidos, de acordo com o estudo, que se baseia em relatórios recolhidos pelo Ministério da Saúde.
"Isso é o grande desafio que nós temos que colocar: dizer que nós não podemos permitir", tanto homens, como mulheres, sublinhou Cida Gonçalves, acrescentando que "se você permite uma vírgula, você vai permitir o feminicídio, a violência sexual".
A resposta e o ataque a esta questão têm de passar pela consciencialização, pela educação, mas também pela questão de uma legislação e "também por políticas públicas".
O Governo brasileiro, disse, vai investir em casas para que as mulheres que são vítimas de violência possam ter um lugar seguro para denunciar.
De acordo com o mesmo estudo, quase metade das vítimas relataram não ter feito nada depois de terem sofrido um grave episódio de violência e apenas 14% das inquiridas relataram o crime numa esquadra da polícia.
"Nós vamos trabalhar no campo da educação, no campo da cultura" e redefinir a estrutura do Estado, que é uma "estrutura também misógina", concluiu a ministra.