A Madeira tem sido pioneira nas políticas de longevidade?
Ainda no mês de Abril último, a Região fez saber que, através da Direcção Regional para as Políticas Públicas Integradas e Longevidade, pretende desenvolver um centro internacional para integrar projectos de longevidade em várias zonas da Macaronésia
Nunca como agora se falou tanto em envelhecimento e em longevidade.
Se, numa primeira abordagem, a velhice pode ser olhada apenas como um problema, evidenciando as necessidades que a ela costumam estar associadas, a tendência crescente é abordar este paradigma de uma perspectiva diferente.
Vários países têm vindo a incluir esta temática na sua agenda política, empurrados, muitas vezes, pelos incentivos e exigências da sociedade civil, particularmente, da economia social, na tentativa de se adaptarem a uma realidade marcada pela maior esperança média de vida e por uma taxa de natalidade baixa.
Muitos debates se têm gerado em torno destes assuntos. Ainda esta semana, a Associação de Desenvolvimento do Funchal – Garouta do Calhau chamou este tema para a ordem do dia, ao promover o ‘7.º Encontro de Idosos - Os novos velhos’. Ana Clara Silva foi uma das oradoras convidadas.
Na sua palestra ‘Desafios da década 2021-2030 - mais velhos, mais activos, mais saudáveis’, a directora regional para as Políticas Públicas Integradas e Longevidade referiu que a Madeira era “a única região do País e da Europa dos 28 que tem um organismo público dedicado à governação da longevidade”. Mas será mesmo verdadeira esta afirmação?
É certo que a Madeira tem vindo a definir uma estratégia própria com vista a um envelhecimento digno e uma longevidade focada em medidas transversais, assente na actuação da Direcção Regional para as Políticas Públicas Integradas e Longevidade, um organismo criado em 2021, sob a alçada das Finanças, mas que, entretanto, passou pela Inclusão Social e Cidadania, estando agora sob o ‘chapéu’ da Saúde.
Esta entidade, criada de raiz, tem um foco muito específico na longevidade, com um enquadramento regional no envelhecimento da população e nas alterações demográficas a que temos assistido, com maior incidência, na última década.
Enquanto componente positiva do ponto de vista social, e mesmo económico, a longevidade implica, também, um custo, muito por força do dispêndio associado ao garantir das condições de segurança, de protecção de saúde e dos direitos sociais dos cidadãos que têm mais de 65 anos.
Foi, precisamente, para dar sustento a todas estas variáveis, que o Governo Regional este organismo público, estrutura que, já em 2022, numa entrevista ao DIÁRIO, Ana Clara Silva apontava ser pioneira no País e na Europa.
“Eu até acho que estamos à frente, do ponto de vista da governação. Porque esta direcção regional é a primeira estrutura governamental, pública, no País e na Europa, dedicada às políticas de longevidade. Portanto, há aqui uma antecipação, de todo. É esta antecipação precisa de ser concretizada em acções e objectivos estratégicos, que sejam entregáveis à própria população.”
Um estudo desenvolvido por diferentes entidades, nomeadamente a ‘40+ Lab’, uma consultora de negócios especializada na Economia da Longevidade, para a Fundação Gulbenkian, materializado, depois, no relatório ‘Foresight Portugal 2030’ evidencia, precisamente, esse pioneirismo da Madeira.
Nos vários documentos que sustentam a análise feita, apenas dois países em todo o Mundo são apontados como tendo uma estrutura governamental dedicada especificamente a estas temáticas, pese embora muitos outros tenham colocado estas matérias na sua agenda política e até tenham desenvolvido planos de actuação e projectos relacionados. São eles o Canadá e a Nova Zelândia.
Ao DIÁRIO, Ana João Sepúlveda, uma das responsáveis por esse relatório onde foram analisados 38 países de todo Mundo confirma essa posição dianteira que a Madeira assume em relação ao País, mas, também, em relação à Europa dos 27 [e não 28 como havia referido Ana Clara Silva].
A CEO da ‘40+ Lab’, embaixadora da rede Aging2.0 para Lisboa e presidente da associação ‘Age Friendly Portugal’, recentemente criada, realça que da análise feita a este conjunto de países, “aqueles que mais proveito estão a tirar desta área e da economia da longevidade, que mais bem estruturas estão, são aqueles que possuem uma estrutura governativa dedicada”.
No seu entender, “a Madeira inovou no facto de ter sido o próprio Governo a ter ido à frente da sociedade civil e resolveu criar uma estrutura governativa, algo que, tanto quanto eu sei, é algo inédito no Mundo, a Madeira é o único sítio no Mundo onde isto aconteceu desta forma”.
Ana João Sepúlveda reforça que da análise feita, conseguiram deduzir que para chegar ao nível de estrutura governativa a iniciativa parte, tipicamente, da sociedade civil, seja por meio das empresas, seja por força da área social. “São estas duas estruturas que, tradicionalmente, pressionam o mundo político e acabam por fazer com que um governo implemente uma estratégia para a longevidade.
O sucesso da estratégia delineada será tanto mais proveitosa quando mais transversal for, notam evidenciando que, no caso da Madeira, os ganhos seriam maiores caso esta direcção regional se mantivesse sob a alçada das Finanças, não entendendo que deva ficar ‘debaixo’ de uma secretaria em específico.
Quando esta direcção regional estava ‘debaixo’ da Vice-presidência, associada à pasta das Finanças, para mim, era o melhor sítio para estar, pois a função concreta desta estrutura era financiar projectos. Depois quando passou para a alçada da Secretaria Regional de Inclusão Social e Cidadania, era, em meu entender, uma visão um bocadinho míope, porque não estamos a falar apenas de envelhecimento, não estamos a falar apenas de uma componente social, é muito mais do que isto. É um eixo de desenvolvimento económico. Agora, estando na tutela da Saúde, é o menos mau. O ideal era estar nas Finanças ou na Economia. Ana João Sepúlveda, socióloga e especialista em Envelhecimento e Economia da Longevidade
Quanto ao posicionamento de Portugal neste contexto, a socióloga e especialista em envelhecimento e economia da longevidade entende que estamos atrasados em relação a muitos dos nossos parceiros europeus, criticando as políticas ou ausência delas, mas também o facto de muitos outros países terem dados sobre o mercado português nestas matérias, mas Portugal não conhecer a sua própria realidade. “É muito mau”, constata.
Ana João Sepúlveda entende, também, que Portugal poderia posicionar-se neste âmbito a nível europeu, sobretudo atendendo pelo lugar que a inovação ocupa no nosso País, onde a Madeira poderá ser, na sua opinião, um verdadeiro laboratório mundial sobre estas matérias. A especialista reforça a importância de entendermos a longevidade como um potencial factor de desenvolvimento económico, de promoção da sustentabilidade e da coesão social. Mas, “nós continuamos a achar que o envelhecimento é um grande problema, que atrasa o desenvolvimento económico”, critica.
À parte a falta de estratégia nacional, Ana João Sepúlveda reforça o pioneirismo da Madeira na área da vida independente e na longevidade, entendendo e argumentando que é verdadeira a afirmação proferida por Ana Clara Silva.