Reconciliação com a velhice
Encontro de Idosos promovido pela ‘Garouta do Calhau’ é oportunidade para analisar posturas
Boa noite!
Uma vida digna até ao fim dos nossos dias exige compromisso da cidadania empenhada, mesmo que nem todos sejam dados a uma participação corajosa, responsabilidade social das empresas e atenção permanente e séria do Estado.
A missão colectiva faz-se de pequenos grandes gestos, de comportamentos e de generosidade, como aquela que fez nascer há 20 anos, a Associação de Desenvolvimento Comunitário do Funchal, que viria anos depois a adoptar o nome ‘Garouta do Calhau’.
Um grupo de pessoas talhadas para o bem comum assumem que “refinaram o pensamento e deram expressão às preocupações sociais que partilhavam com o propósito humanista de alertar para as comunidades de jovens e adultos excluídos do elevador social”.
De mãos dadas com o altruísmo, o humanismo, a dignidade, a solidariedade, a bondade, a justiça e a tolerância empenharam-se em combater a pobreza e a discriminação social, em compreender o tempo presente e ajudar quem precisa e a pensar as realidades que visam superar os desafios futuros.
Em 20 anos de existência, a ‘Garouta’ hoje mulher tem obra feita, sonhos e projectos, mas sobretudo vontade em caminhar com todos quantos precisam de um sentido para a vida, dando dignidade aos idosos e cuidando do essencial para a educação e o bem-estar das crianças.
É uma instituição que distribui amor e que questiona o aparentemente definitivo. É neste quadro que dedica desde hoje três dias aos novos velhos e a três momentos que contemplam, regras e excepções, corpo e mente, ética e saúde.
Uma reflexão que ocorre num momento em que o cardeal madeirense Tolentino Mendonça perde a sua mãe, com 88 anos feitos com um olhar de amor. Com a lucidez de sempre, na missa de corpo presente da mulher que lhe deu vida, deixa novamente um apelo à valorização dos mais velhos. “A velhice é também um recurso humano de que nós precisamos muito, para nos reconciliarmos mais profundamente com a vida, com aquilo que ela é”, referiu ontem em Machico.
Palavras que recuperam a dimensão de um texto publicado em plena pandemia em que exorta a necessidade de reconciliação com a velhice, considerando ser “erro grosseiro representar os velhos como um peso”. Até porque...
Não se envelhece para morrer. Envelhecemos para nos saciarmos de vida e desse modo sentir que, mesmo escassa ou vacilante, a vida é o milagre mais espantoso, mais indescritível e pródigo que nos tocou em sorte. Com razão, James Hilmann escreveu: “Envelhecendo eu revelo o meu carácter, não a minha morte.” A velhice é um laboratório de vida presente e não só passada, uma escola onde se aprofunda o significado da esperança e do amor. Quando estes sentimentos, despidos já das contaminações do cálculo, distantes do enganador afã dos objetivos que lhe colocámos, revelam finalmente a sua natureza. O que é o amor em si, o que é a esperança sem mais — os velhos sabem-no melhor. E, contudo, resistimos tanto a perguntar-lhes, como se essa transmissão de sabedoria não nos fosse indispensável. Que os velhos se tenham tornado uma abandonada periferia — e os condicionamentos da pandemia podem ainda dramaticamente acentuá-lo — diz muito da crise interior que mina o nosso tempo”. Tolentino Mendonça, 'Honra os teus velhos', publicado no 'Expresso' de 25.4.2020