Só há plena liberdade na ausência do medo

Quem diria que, volvido quase meio século pós revolução de Abril, haveria ainda tanta gente que não se sente livre no exercício da sua actividade profissional, nem para expressar opiniões por temer daí as consequências. Subsiste um medo latente que decorre de viver continuamente em sobressalto, sob o espectro de poder vir a perder a sua remuneração, com prejuízo das suas condições de vida pessoais e familiares. Incapaz de ignorar o que se passa à sua volta evita rebelar-se por saber ser alvo fácil de atitudes persecutórias, extensivas até a outros elementos com laços familiares. Surreal?

Envereda pela denúncia anónima ou pelo desabafo à boca pequena, acabando por cair no conformismo. E é, precisamente, o conformismo dos cidadãos que aceitam tudo e acabam dominados pelo poder instituído, o grande perigo das sociedades democráticas.

O amor à Liberdade e à Democracia são causas em que nos deveríamos envolver sem medos nem constrangimentos de qualquer espécie. A Democracia está doente e nós somos cúmplices, porque elegemos políticos inúteis, cínicos e traidores que usam o poder a seu favor, valendo-se de artimanhas precursoras de compadrios, clientelismos e corrupção. É cada vez mais dúbia a diferença entre a verdade e a mentira, entre a seridade e a trapalhada com estes protagonistas. Tesourinhos deprimentes e actuações indigentes de candidatos incapazes vingam com assento em tentações "absolutistas ", onde tudo é possível e não se é obrigado a justificar nada a ninguém. São visíveis os traços de prepotência de quem se sente acima do escrutínio e afirma com todas as letras" eu mando, eu posso, eu quero".

Ao “leme” de muitas Instituições públicas e/ou privadas estão figuras desta estirpe. Provavelmente, foi por intermédio do clientelismo partidário que lá chegaram, impedindo que pessoas válidas, competentes e mais habillitadas aí fossem colocadas. Algumas até exercem mais do que um cargo, digo, “tacho”.

Por outro lado, a promiscuidade entre estes Organismos é de tal ordem que não se sabe muito bem onde acaba uma e começa outra. Alguém que está no “convento” garante que há muito lixo atirado para debaixo do tapete, pois “quando se zangam as comadres, descobrem-se algumas verdades”.

Com alguma acuidade poder-se-á dizer até que algumas destas Instituições são o prolongamento da secção concelhia de um determinado partido. Serão?

Fazendo fé no número e tipo de actividades que desenvolvem e tornam públicas, presume-se que gozam de uma boa saúde financeira. Não deve sair muito barato a exibição de tanto bailarico, profusão de festas e eventos, sempre com os indispensáveis comes e bebes à boa maneira portuguesa.

Será para fazer jus a “saciado no bucho nenhum rebanho se rebela?”

Também não virá (?) nenhum mal ao mundo pela necessidade que sentem os políticos de terem a bênção do poder religioso.

Posto isto, não é aceitável que, por razões economicistas, com muitos constrangimentos de permeio, não se viabilize, em conformidade e em tempo útil, o apoio a situações de graves carências e necessidades devidamente comprovadas, algumas casos de doença. O “folclore” é importante, mas não é imperativo. Há muita gente descontente, revoltada até, pelas mais variadas razões e em todos os aspectos da nossa vida colectiva. Calam-se, porque não encontram abertura para se poderem exprimir livremente. Porque têm medo, pelos motivos já mencionados. Têm medo, quando a coisa de que deveriam ter medo era do próprio medo.

Madalena Castro