Reféns do hábito
Muitos de nós já nem sentimos as picadas do tal mosquito com denominação egípcia. Estamos a ficar dessensibilizados, pelo hábito. Como que imunes.
O mesmo se passa no restante ecossistema político e social, pois, já quase nada nos surpreende com o sucedâneo de anormalidades que as várias instituições do Estado protagonizam enquanto fatalidades consentidas.
Governa-se este país num recreio de pedras soltas onde governantes se apedrejam, e um Presidente calceteiro que ajeita pedras da calçada implorando sonsamente, por (agora diminuída) atenção, a que é patologicamente dependente.
Assumidamente arauto da antiga descrispação política em 2016, Marcelo Rebelo de Sousa sequestrou-se na total irrelevância da teia que assumiu tecer como masmorra. Por outro lado, o governo apesar de autofagicamente apodrecido, está completamente solto, com uma recente maioria confortável, num árido deserto de oposição, à exceção da “diabolizada extrema-direita” que diz o que os demais temem.
Acredito cada vez mais que são os deméritos das oposições regionais que ditam o sucesso dos seus oponentes que cumprindo os mínimos, revalidam copiosas vitórias. Gostaria, tal como muitos madeirenses, que por entre a agitação da “campanha-espetáculo”, os paladinos candidatos respondessem a anseios insulares que (adequadamente) tardam. A questão da acessibilidade aérea e marítima e os procedimentos para a obtenção do subsídio social de mobilidade, que estão nas antípodas duma sociedade que se assume estar em plena “transição digital” da desmaterialização.
O Vaticano emitiu um selo comemorativo da Jornada Mundial da Juventude de Lisboa-2023. A militante estupidez do revisionismo histórico, logo criticou a imagem do Padrão dos Descobrimentos, invocando o luso expansionismo da nossa epopeia quinhentista na ótica da exploração dos povos e o pendor nacionalista do Estado Novo. Se esta exegese de polichinelo fosse atendida há 25 anos, nunca acolheríamos a Expo-98.
A Feira do Livro de Lisboa foi travada a fundo em pleno sábado soalheiro e concorrido nas costas de Sebastião José de Carvalho e Melo, figura magna da lusa governança do reinado de D. José I, que mais depressa projetou a Lisboa pombalina no séc. XVIII do que a III.ª República projeta o novo aeroporto de Lisboa. Ao seu redor detém-se o arrastão da euforia futebolística, que exercita a terapêutica catarse de um povo onde rareiam grandes desígnios e moedas ao final do mês. O livro é rebaixado pela monumentalidade efémera, porque a depressão nacional regressará após o efeito da pastilha. Assim se faz o país envergonhado do seu passado e da sua monumentalidade, onde o (raquítico) hábito de leitura parece ser desencorajado.