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Mercenários

Um mercenário, segundo uma definição universalmente aceite, é um indivíduo que, a título privado, participa num conflito militar em proveito próprio, não integrado nas forças nacionais de qualquer país.

Na nossa Europa, a época dourada dos mercenários foi a da Idade Moderna, em que a evolução do armamento, das técnicas e tácticas das operações militares, e o aumento vertiginoso dos custos, levou a que se entregasse a Guerra a profissionais, a todos os níveis.

As tropas eram bens preciosos que só deviam ser empregues em último caso; daí a “guerre en dentelles”, a guerra de punhos de renda, do século XVIII. A Revolução Francesa veio alterar este mundo quase idílico, introduzindo o factor nacionalista e ideológico.

Encerrado o capítulo das Guerras Napoleónicas, a França lançou-se sobre a Argélia, em 1830. Os tempos eram outros, e houve que recorrer a tropas contratadas, muitas delas compostas por veteranos de guerras anteriores. Assim nasceu a Legião Estrangeira, e um modelo semelhante foi seguido na Legião Estrangeira espanhola.

Após a Guerra do Vietname, o empenhamento de tropas americanas foi alvo de contestação. Isso levou a uma solução clássica: recorrer a contratados para reduzir o empenhamento de tropas regulares e atribuir os riscos a pessoas do direito privado, com riscos cobertos por seguradoras.

É esta a origem da firma Blackwater, fundada por ex-militares americanos, replicada pelo Batalhão de Azov, ucraniano, ou do Grupo Wagner, da Rússia. Com destinos diferentes, naturalmente, mas com o mesmo encargo: tirar castanhas do lume por conta alheia.

Há casos de honra e glória de mercenários. O mais conhecido é o da Guarda Suíça Pontifícia. O Vaticano era um estado com governo, território, e tinha exército próprio. Nas chamadas Guerras de Itália, quando as tropas do Imperador Carlos V atacaram Roma, o Papa foi defendido pelos Guardas Suíços, que de deixaram massacrar para o defender.

Na actual Guerra da Ucrânia, os mercenários têm tido um contorno diferente. O “Batalhão de Azof” surge como uma milícia nacionalista, ao estilo das Sturmabteilung (SA) do partido Nazi; foi depois integrado nas forças regulares da Ucrânia. O “Grupo Wagner” é uma grande empresa que atua por toda a parte, sobretudo em África.

Disse Bismarck que, em política, o que parece, é. Depois de ocupar uma capital de província, sem dar um tiro, de marchar sobre Moscovo em camiões, por auto-estrada, sem levar um tiro, de dar meia volta, de ser aclamado em Rostov, Perigozhin (já lhe chamam Perigosinho) foi instalar-se na Bielorrússia, para continuar a gerir os seus negócios globais. Trata-se de uma peça ensaiada, ou de uma comédia de improviso?

E assim, depois da rábula clássica de negar meios às unidades que se portam mal (como nos temos de Estaline), de provocar uma crise sem saída aparente, tudo regressará à normalidade. O Grupo Wagner voltará aos negócios e parte das suas tropas integrará o exército regular russo, como as SA se integraram nas SS.

E a guerra continuará. Até quando?