Será que o novo hospital da Madeira foi para o terreno graças ao Governo da República?
A obra do novo Hospital Central e Universitário da Madeira continua a dar que falar. Prova disso é o tema ter voltado à ‘baila’, ontem, no decorrer da audição do ministro das Finanças, no âmbito dos trabalhos da Comissão de Orçamento e Finanças.
Na ocasião, tanto as deputadas do PSD, como o deputado do PS, todos eleitos pelo círculo da Madeira, se pronunciaram sobre o tema.
Patrícia Dantas foi a primeira a abordar Fernando Medina, indagando sobre os atrasos verificados no pagamento de 82 facturas, num valor total de 7 milhões de euros. De acordo com a parlamentar, o último pagamento feito pelo Ministério das Finanças data de Novembro de 2022.
De há alguns tempos a esta parte, sempre que se fala da obra do Hospital Central e Universitário da Madeira e do pagamento da quota parte do Estado, ouço o PS dizer que mesmo sem a Resolução do Conselho de Ministros estar de acordo com a execução física e financeira, e mesmo sem que o valor do Orçamento do Estado esteja adequado às previsões regionais de execução da obra deste ano, não haveria problemas no pagamento nas facturas da mesma obra. A questão é que o último pagamento feito pelo Ministério das Finanças é de Novembro de 2022 e neste momento estão por pagar 7 milhões de euros, o que corresponde a 82 facturas que aguardam pagamento. Patrícia Dantas, deputada do PSD à Assembleia da República eleita pelo círculo da Madeira
Sara Madruga da Costa, por outro lado, apelou à correcção da Resolução de Conselho de Ministros sobre o financiamento de 50% do custo da obra. “Há quatro anos que nós reivindicamos a correcção de duas resoluções do Conselho de Ministros sobre o financiamento desta insfraestrutura. E até ao momento o Governo nada fez. Estas resoluções impõem ilegitimamente à Madeira contrapartidas pelo co-financiamento do novo hospital, ainda não foram corrigidas”, disse a deputada social-democrata.
Na resposta a estas interpelações, Fernando Medina não apontou prazos, nem para o pagamento das facturas em atraso, nem para as correcção da Resolução, que admitiu estar errada. “O que há aqui a destacar é o compromisso que o Governo assumiu, e neste caso não em 2015, mas já comigo no cargo de ministro das Finanças, que é resolver, por via da alteração da Resolução de Conselho de Ministros, aquilo que é uma incorreção da Resolução anterior sobre a imputação dos hospitais, do resultado da venda dos hospitais, sendo que é um cálculo relativamente a algo que não é propriedade do Governo Regional da Madeira”, notou o ministro das Finanças, para apontar que “esse compromisso, obviamente, está de pé e iremos fazer essa alteração quando for necessária”.
Ainda esta semana, Carlos Pereira, deputado socialista com assento em São Bento já havia garantido que essa alteração ocorreria até ao Verão e que “não haverá descontos de financiamento caso exista vendas de imóveis em utilização”, apontando esta correcção como a razão para a suspensão dos pagamentos desde o final do ano passado.
Mas antes mesmo do ministro de pronunciar, o socialista Miguel Iglésias dizia não ter dúvidas de que “se não fosse o financiamento do Governo da República não havia hospital”, razão pela qual diz não entender a postura assumida pelas colegas de ‘São Bento’. E mesmo depois de a obra estar no terreno, no seu entender, o PSD teima em não aceitar essa realidade. Por isso, reafirmou que “o Hospital da Madeira é uma realidade devido ao financiamento do Governo da República”.
Eu pensava, honestamente, que as deputadas do PSD eleitas pela Madeira vinham aqui, precisamente, elogiar o Governo e o Ministério das Finanças pelo financiamento de 50% da construção do novo Hospital Central da Madeira. É que se não fosse o financiamento do Governo da República não havia hospital. Aliás, nem com a obra a decorrer, nem com as máquinas no terreno, que todos os madeirenses já podem observar, os senhores vêm aqui, e não conseguem encarar essa realidade. O Hospital da Madeira é uma realidade devido ao financiamento do Governo da República. Miguel Iglésias, deputado do PS à Assembleia da República eleito pelo círculo da Madeira
Mas será que o deputado socialista tem razão, ao afirmar que “se não fosse o financiamento do Governo da República não havia hospital”?
A resposta a esta questão não é linear, razão que nos leva a considerar a afirmação imprecisa.
Ao longo dos anos foram vários os avanços e recuos de cada um dos Governos, o da Região e o da República, à parte as cores políticas. Houve compromissos e incumprimentos de ambas as partes, pelo que não é simples atribuir supremacia a algum dos envolvidos. Sem uma das partes, dificilmente a outra conseguiria levar o plano de construção de um novo hospital por diante.
Entre as circunstâncias que abonam a favor dos socialistas podemos apontar o facto de ter sido um governo do PS a validar o co-financiamento do projecto pela República e a ter considerado o novo hospital como sendo um Projecto de Interesse Comum. Inclui-se nesse conjunto, a questão de o PSD ter chumbado, na Assembleia da República, os Orçamentos do Estado de 2019, 2020, 2021 e de 2022, onde estava contemplado não só o financiamento do novo hospital, ainda que não nas condições almejadas pelos social-democratas madeirenses, como também as garantias de Estado ao demais financiamento da empreitada.
Se é certo que o co-financiamento foi sempre uma das condições defendidas pela Madeira e que o executivo madeirense não avançou com o projecto até haver o ‘sim’ da República, já numa das legislaturas de António Costa, não deixa de ser menos verdade que o projecto não arrancaria caso a Região e, mais concretamente, os sucessivos governos do PSD liderados por Miguel Albuquerque não o pretendessem. Num cenário destes, dificilmente o Estado teria condições para avançar com o projecto de forma isolada.
Não havendo financiamento algum de Lisboa para esta empreitada, teria a Região capacidade financeira para construir o novo hospital? No seio do Governo Regional, essa chegou a ser uma opção equacionada, mesmo que em surdina e sem comprometimento público, perante a indefinição do governo central quanto ao apoio, mas tal poderia representar custos demasiado altos para os Orçamentos Regionais e para os madeirenses, aspecto que nos leva a crer ser muito difícil a sua implementação.
Os encargos com o projecto agora em curso estão repartidos, em partes iguais, pelo Governo da República e pelo Governo Regional da Madeira, como corolário de a obra ter sido classificada, em Novembro de 2015 (Resolução n." 1/2016/M, de 4 de Janeiro) como Projecto Prioritário e, mais tarde, da aprovação da candidatura a Projecto de Interesse Comum (PIC), para efeitos de financiamento por parte do Orçamento do Estado.
A partir de diversas iniciativas legislativas foram propostas e inscritas nos Orçamentos do Estado para os anos de 2017, 2018 e 2019, normas relativas à construção do Hospital Central [e Universitário] da Madeira. Por exemplo, o artigo 78.º da Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para o ano de 2019, estipulava que o Governo da República assegurava apoio financeiro correspondente a 50% do valor da construção, fiscalização da empreitada e aquisição de equipamento médico e hospitalar do futuro Hospital Central da Madeira, em cooperação com os órgãos de governo próprio da Região Autónoma da Madeira.
O certo é que, nem mesmo com todas condicionantes definidas, o processo tardou em avançar, com culpas a serem atribuídas de parte a parte, ora pela Madeira, ora pela República.
Em 2006, o Governo Regional lançou o concurso denominado ‘Projecto para a Construção do Hospital Central da Madeira’, isto depois de atrasos na sua concepção e de complicações com as expropriações. Só a 13 de Maio de 2021 tiveram início os trabalhos de demolição das moradias ali existentes e escavação das fundações, quando ainda estavam por expropriar 10% dos terrenos necessários a esta nova estrutura.
No dia 9 de Janeiro deste ano foi lançada a primeira pedra do novo hospital e as previsões para conclusão desta infraestrutura de saúde é apontada para o início do segundo semestre de 2027.