O amor platónico
Os políticos nacionais que se gabam de gostar da Madeira por vezes fomentam relações inconsequentes
Boa noite!
O amor obsessivo pela Madeira dos líderes nacionais dos partidos políticos é nitidamente platónico.
É evidente a falta reciprocidade, o relacionamento muitas vezes impossível e a propensão para o ciúme, tal a frequência com que as partes se perdem em generalidades debitadas, sem afecto, nem estima, e recorrem à desculpa fútil.
Falta-lhes becos e povo, bom senso e percepção da diversidade que se vive em cada instante. Nas ilhas os eleitores não frequentam os mesmos lugares, não são todos do mesmo partido, clube ou religião e, ao contrário do que julgam os doutos centralistas, não são ignorantes. Fazem escolhas, como em qualquer outra parte do País, de acordo com as propostas que vão a votos, os desempenhos de governo e oposições e as convicções pessoais. Tudo conta, da competência à notoriedade.
O problema desta relação inconsequente nem é da distância geográfica. As visitas até são frequentes e a cordialidade impera nos ensaios de namoro. Mas quando contam o que lhes vai na alma sempre que chegam à Região, a ameaça de divórcio ganha forma.
Ontem António Costa assumiu publicamente essa relação amor-ódio: “Sabemos que a Madeira nem sempre gosta do PS, mas os madeirenses podem estar certos que o PS gosta da Madeira”. Em qualquer uma das partes da equação, há mais dúvidas do que certezas, logo, não se afigura inteligente fazer depender um hipotético o êxito eleitoral desta imprevisível arte de gostar.
Luís Montenegro já havia feito o mesmo quando manifestou uma perigosa predilecção selectiva, ao considerar que "o PSD está a anos luz da oposição" madeirense, esquecendo-se que por acaso anda de braço dado com o CDS, não há muito tempo adversário ancestral. E que na lógica de dividir para reinar, lançou um chavão promocional - "Na Madeira vemos o Portugal que queremos” – que num contexto de eleições nacionais é manifestamente contraproducente.
O amor conveniente é por vezes descuidado. No mês passado Mariana Mortágua veio pedir votos à Região onde "os políticos madeirenses estão entre os mais ricos do país", quando se sabe que o líder regional desse ranking nem está no activo - eclipsou-se! - e é agora o ídolo da oposição regional. Não admira que a líder bloquista tenha pedido na semana passada ao Presidente da República para marcar a data das eleições madeirenses dando "tempo para uma campanha transparente e com a maior participação possível". De facto, vai ser preciso muito e demorado trabalho de casa para o BE não resumir a Região ao “quintal em que o PSD distribui favores, cria fortunas e manda calar os opositores”. Até agora, tamanho amor só rendeu um ou dois rebentos.
O desleixo também afectou a operação de charme do presidente do Chega. André Ventura, também veio garantir ser capaz de "mudar o panorama político" da Madeira, tendo trunfos para dar cabo do que considera ser "rede tentacular". Só que na hora de se declarar e ser implacável, optou por uma tímida “teia de pelo menos, presunção e suspeita de corrupção".
O amor político é lindo, mas carece de provas inequívocas e soberanas de interesse genuíno pelas pessoas, votem ou não, no partido que lhes paga os bilhetes de avião, a espetada regional e o molho de vilão.