Empresas de media "têm muita dificuldade em experimentar" com medo de falhar
O investigador e professor do ISCTE Gustavo Cardoso considera, em entrevista à Lusa, que as empresas jornalísticas "têm muita dificuldade em experimentar" com medo de falhar e que é preciso assumir que a comunicação mudou.
Nos últimos sete ou oito anos, "a única certeza que temos é que o interesse por notícias a nível global tem vindo a diminuir", sublinha Gustavo Cardoso quando questionado sobre o aumento do desinteresse pelas notícias.
"Há momentos de quebra mais abrupta de interesse e crescimento até de práticas de evitar as notícias", prossegue o investigador do CIES-ISCTE.
Em 2022, houve uma quebra "grande" face ao ano anterior, explicado com o facto de nos últimos anos os momentos terem sido "muito monotemáticos em Portugal e noutros países" (covid-19, eleições, guerra, no caso português).
"Portanto, foram momentos em que o jornalismo em Portugal foi muito monotemático" e, apesar de no curto prazo as audiências acompanharem os temas, esse circuito quebra-se de duas maneiras: "ou pela redação que para de dar aquele tema ou pelas pessoas que se cansam".
E o que tem acontecido em Portugal, "essencialmente", é que as "pessoas que desistem e que se cansam" depois não mudam para mais notícias.
"Até porque como a mesma notícia está a dar em todos os lados", acabam para mudar para filmes, séries, jogos, música, "seja o que for, tudo menos notícias", passando a "incorporar outro tipo de hábitos no seu quotidiano", aponta.
Este "não é apenas um problema de negócio", mas "uma questão também da própria sociedade, porque não é passível de imaginarmos podermos ter democracias se não tivermos jornalismo".
Para "que seja possível manter democracias sãs, se as pessoas se cansam, não só o jornalismo perde parte do seu poder, que é ajudar a verificar o funcionamento das instituições democráticas", mas "também porque o seu poder advém das pessoas que o seguem".
Questionado sobre o que pode ser feito para contornar a situação, Gustavo Cardoso diz que num mundo de recursos infinitos para o setor com pessoas formadas para fazer jornalismo, fica a faltar a "capacidade do jornalismo inovar, mudar e adaptar-se ao seu tempo também".
Tal não pode ser feito pelos governos, administrações das empresas públicas e privadas, "tem que ser feito pelas redações que, em última análise, são os jornalistas".
"Temos um problema em Portugal maior do que nos outros sítios, porque grande parte da nossa dinâmica de inovação do jornalismo nos últimos 100 anos tem sido de busca de bons modelos para copiar e aplicar em Portugal", mas agora "estamos a viver um momento que podemos designar de crise comunicacional, em que não há modelos para copiar", salienta.
Agora, talvez este seja um daqueles momentos "em que a solução não vai por cópia, só vai por tentativa e erro. E, para haver tentativa e erro, é preciso que haja alguém a tentar e a errar" e, se calhar, "parte das soluções nem sequer passam por recursos elevados, não passam por dinheiro da Google para apoiar, nem por dinheiro no Facebook para qualquer coisa, nem por grandes investimentos e abertura de capital de empresas, passam por efetivamente haver criação e capacidade de propor coisas diferentes", argumenta Gustavo Cardoso.
Por exemplo, sabe-se que os mais jovens não estão interessados em grande parte em notícias.
"Uma das questões que está por trás disto é dupla: por um lado, temos um jornalismo envelhecido e que imagina os seus públicos em função da sua idade e vai imaginando os seus públicos em função do seu envelhecimento também e, portanto, lida muito melhor com as pessoas da sua idade do que com as pessoas que estão a chegar mais novas do que elas", continua.
Além disso, "temos um outro problema que é das universidades", que foram transformadas em locais de escolas essencialmente de formação para obtenção de emprego.
Para Gustavo Cardoso, "o problema é que as empresas jornalísticas têm muita dificuldade em experimentar, porque têm medo com sofrer dos falhanços".
Por exemplo, "a Lusa terá muita dificuldade em propor um novo tipo de produto que possa colocar em causa a marca" da agência de notícias, refere.
"E, portanto, não se faz, mas isso é provavelmente uma visão errada", porque aquilo que devia estar a acontecer quer na Lusa como em outras empresas de media "era ter marcas que não são identificadas diretamente com a marca principal que possam experimentar livremente falhar e errar", salienta o investigador.
"A questão central é esta: se assumirmos, eu penso que temos que assumir que a comunicação mudou, não é possível imaginar que o jornalismo não tenha que mudar também para conseguir comunicar, ou melhor, para conseguir falar com os seus públicos", adverte.
Para Gustavo Cardoso, a única estratégia no mercado dos media nas últimas décadas, não só em Portugal como noutros mercados, "é a compra de empresas para tentar continuar a manter quotas de mercado elevadas".
Mas aqui há uma questão, não estão a ser criados novos públicos, mas antes a comprar "os públicos dos outros", enquanto o mercado continua a encolher. Porquê? "Porque as pessoas estão menos interessadas nas notícias que estão a dar", aponta.
A isto junta-se um outro problema "grave" que é "a novelização das notícias, ou seja, a transformação das notícias em novela, que é outra forma de dizer monotemáticas, ou seja, o mesmo tema que continua muito tempo" como a TAP ou a guerra na Ucrânia, entre outros.
"E isso mata o jornalismo e a seguir cria imensos problemas às sociedades democráticas", enfatiza.
"Não estamos a saber dosear a relação entre as temáticas e os públicos e o jornalismo também tem um papel pedagógico", não só com a população e os públicos, mas também com as fontes, "explicar-lhes que dizer sempre a mesma coisa" não é bom.
Outro exemplo é o populismo, que pode ser político, mas também comunicacional, "que é o populismo que vive de buscar a desintermediação do jornalista", refere.
"E se há um a que estamos habituados, que é o das redes sociais, há outro que é muito mais grave" e que "encerra nele provavelmente sementes muito mais maliciosas para o bem-estar da democracia do que outro, que é desintermediação jornalística com o jornalista", em que este "é meramente um 'décor'".