Um "submersível" e a falência de valores de uma sociedade
O mundo esteve 5 dias em suspenso pelo desaparecimento de um pequeno "submersível" nas imediações dos destroços do famoso navio Titanic.
Eu, mais do que ninguém, como assumido e reconhecido claustrofóbico, sou solidário com o sofrimento daquelas 5 pessoas que lá se encontravam dentro. Que Deus os tenha.
Mas, convenhamos, a minha solidariedade vai só até certo ponto, por 2 razões:
1) eu não me metia naquele buraco nem que me pagassem 20 vezes mais do que aquilo que estes bilionários pagaram para lá entrarem (a sério, li que eles pagaram dinheiro, muito dinheiro, para se enfiarem ali);
2) estes 5 personagens, por mais dinheiro que tenham, representam 5 vidas humanas não mais importantes do que aquelas que se perdem às dezenas em naufrágios no Mediterrâneo semanalmente, e daí o título deste escrito...
E é nisto que proponho refletirmos.. TODOS, e EU o primeiro!
Acompanhei esta novela, muito pelas razões acima explicadas (a minha claustrofobia), com um interesse magnânimo, num misto de fascínio e terror. Consulto diariamente sites de notícias internacionais, tais como Reuters, CNN, BBC, etc., até para ver se as coisas melhoram na Ucrânia. Este assunto é destaque de Homepage nestes sites desde que o pequeno "submersível" perdeu o contacto com o navio que o lançou. Mais assustador do que o destaque que é dado ao assunto por alguns dos sites de notícias mais consumidos internacionalmente, é a quantidade de meios (muitos deles pagos pelas pessoas em geral) afectos a esta operação de resgate, e a completa omissão destes mesmos sites em relação ao flagelo que é a perda de vidas que acontece diariamente no Mar Mediterrâneo. Naufrágios de barcos que vêm sobrelotados de pessoas, em busca de melhores condições de vida, de uma oportunidade, de conseguir um trabalho, de ter um salário, eventualmente uma família.
Não vêm nestes barcos sobrelotados para satisfazer um capricho, não vêm por serem excêntricos, não vêm para pôr retratos e stories no instagram, mas sim para tentarem viver (ou sobreviver). E sobre estes, que merecem todo o nosso respeito e solidariedade, o que dizemos nós? O que dizem os sites de notícias? Pouco, muito pouco. Que meios empregamos para os salvar? Não respondo por vergonha...
Vai daí o título de falência de valores de uma sociedade... Há uma semana saiu uma notícia, naquelas letras pequenas, dizendo que 78 pessoas faleceram num destes naufrágios no Mediterrâneo, e à volta de 500 pessoas estavam desaparecidas. Entre elas muitas senhoras e crianças. Que meios foram disponibilizados para tentar salvar estas vidas? Procurem por vocês próprios no google...
Que meios foram disponibilizados para tentar salvar os 5 lunáticos endinheirados que assinaram voluntariamente uns termos de responsabilidade que referem 3 vezes que o Diabo os pode levar nesta brincadeira de visitar (os restos) do Titanic numa excursão privada? Procurem por vocês próprios no google... (navios, aviões, drones marítimos, etc..). Muitos destes meios, pagos pelas pessoas.
Dei por mim a constatar que vivemos uma Era podre enquanto Sociedade, pois dedicamos (eu incluído, infelizmente) mais energia a assistir ao Big Brother do "submersível" dos 5 excêntricos caprichosos porque o oxigénio está quase a acabar, do que aos milhares de lutadores que semanalmente arriscam a vida para tentar ter um prato de comida na mesa. Como agravante, para estes últimos, assumir este risco é o último oxigénio que lhes resta.
Conclusão: em termos de valores, esta sociedade faliu!
Tenho 2 filhos, ainda crianças, e o meu principal desafio é conseguir que no dia de amanhã estejam mais focados no que é importante, em lugar do que é mediático! Focados naqueles que procuram oxigénio, em lugar daqueles que brincam com coisas sérias!
Desejo muito que Nosso Senhor receba e dê o descanso Eterno àqueles 5 que pereceram a bordo do Titan, mas que também nos ajude a todos a acordar desta podridão!
Pedro Freitas