Crónicas

O bom, o mau e o desprezado

Não será o memorial que impedirá nova tragédia, mas o desprezo que o mesmo mereceu do Estado é o melhor símbolo do estado a que o País chegou

À custa da Jornada Mundial da Juventude, o Governo português inventou uma amnistia de infrações, coroada com o perdão de penas. A inusitada piedade governamental tem, de acordo com a proposta de lei, uma razão principal. O exemplo de vida do Papa Francisco na “exortação da reinserção social das pessoas em conflito com a lei penal”. Trocado por miúdos, as “pessoas em conflito com a lei penal” são, entre outras, os arguidos condenados pela prática de crimes. Depois, salpicou-se o perdão com os requisitos de idade para participação na jornada mundial e encontrou-se razão para a amnistia aplicar-se, apenas, aos jovens entre os 16 e os 30 anos. E se a Jornada fosse, não da juventude, mas da terceira idade?

O bom: Roberta Metsola

Depois da miserável passagem de Lula da Silva pela Assembleia da República, o discurso de Roberta Metsola, Presidente do Parlamento Europeu, foi uma lufada de ar fresco. Não se pense, no entanto, que o arejo é circunstancial. O consulado de Metsola no plenário europeu coincidiu com o gravíssimo episódio de corrupção que envolveu vários eurodeputados, entre eles a sua vice-presidente Eva Kaili. Já nesse dia negro para as instituições europeias, Metsola mostrou fibra e prometeu ação. Afastou Kaili, lançou uma investigação interna e avisou que a Europa e o seu Parlamento não estão à venda. Foi esta mesma franqueza que Metsola trouxe à Assembleia da República, quando assumiu que a União Europeia não é perfeita, a espaços pode até ser frustrante, mas vale a pena. Só o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista não aplaudiram o discurso da Presidente do Parlamento Europeu. Não os critico. São livres de guardar as palmas para os Lulas e os Maduros deste mundo. Na verdade, o problema dos dois partidos não é com Metsola, mas com a União Europeia. Ambos defendem a rutura de Portugal com as instituições europeias, seja com a própria União, como defende o PCP, ou apenas com o Euro, como propôs o Bloco. São argumentos da mesma cartilha que continua a prestar vassalagem à Rússia, que continua a fantasiar com nazis na Ucrânia e a desconsiderar a soberania nacional ucraniana. Para essa indigência comunista, repetida no debate parlamentar, também houve resposta. Metsola convidou os comunistas a ir a Kiev e, perante os deputados ucranianos, repetir que Zelensky é tão responsável como Putin pela guerra.

O mau: A lei das ordens profissionais

Ao todo foram 12, o número de ordens profissionais atingidas pela proposta de lei submetida pelo Governo à Assembleia da República. No entanto, nos últimos dias, a discussão - e a estupefação - tem sido em redor do caso específico da Ordem dos Advogados. De forma muito abreviada, o Governo propõe que a fiscalização da profissão possa ser feita por quem não é advogado, que as sociedades possam exercer outra atividade para além da advocacia e que alguns atos próprios dos advogados sejam prestados por quem não o é. Do ramalhete de absurdos salva-se a ideia, embora a precisar de maior discussão, da fiscalização externa da advocacia. Tudo o resto revela que o Governo não tem a mais pequena ideia sobre o que representa um Advogado para o cidadão, muito menos quanto à importância da advocacia para qualquer Estado - que se diz - de Direito. A Ordem dos Advogados não está acima de qualquer outra ordem profissional, mas tem uma natureza profundamente diferente das suas congéneres. Essa diferença advém da Justiça ser uma função soberana do Estado e de não poder haver Justiça sem advogados. São eles que equilibram o prato da balança e é, também por isso, que o Estado lhes reconhece especial liberdade no exercício da profissão. Imagine o que será uma consulta jurídica prestada por quem não está habilitado. Imagine o faroeste que será a cobrança de créditos realizada por quem nem é licenciado em Direito. Imagine a advocacia praticada por trabalhadores dependentes, integrados em grandes empresas que prestam vários serviços em simultâneo e em que o sigilo profissional é um pormenor dispensável. É esta aberração legislativa que está em cima da mesa. Não são, apenas, os advogados que estão em causa. Somos todos nós.

O desprezado: Pedrógão Grande

Passaram-se 6 anos da tragédia que se abateu sobre Pedrógão Grande. Nos dias que se seguiram à fúria do fogo, não faltaram visitas prolongadas, promessas inspiradoras e compaixão a rodos. Entretanto, foi-se o frenesim mediático e, pouco a pouco, Pedrógão regressou ao esquecimento de onde tinha, pelas piores razões, saído. A floresta continua por organizar, as comunicações móveis continuam a falhar e as faixas de proteção das estradas continuam sem controlo. O abandono do interior do País, que ateou os incêndios de 2017, persiste indelével no quotidiano das populações. Mais do que falhar com aquelas pessoas, o Estado esqueceu-se delas. Talvez por isso não seja surpresa que, na inauguração do memorial às 115 vítimas mortais dos incêndios de Pedrógão, António Costa estivesse ausente e o Governo, com 18 ministros e 38 secretários de estado, nem se tenha feito representar. Até a agenda da presidência dos afetos se fechou para Pedrógão. Não será o memorial que impedirá nova tragédia, mas o desprezo que o mesmo mereceu do Estado é o melhor símbolo do estado a que o País chegou.