Madeira

Triplo homicídio no Beco dos Frias chocou a Madeira há precisamente 55 anos

O casal Manuel e Maria de Abreu e uma irmã desta foram as vítimas. Dois dos mortos foram encontrados no quintal da casa, no Beco dos Frias, n.º 23.
O casal Manuel e Maria de Abreu e uma irmã desta foram as vítimas. Dois dos mortos foram encontrados no quintal da casa, no Beco dos Frias, n.º 23.

Faz hoje precisamente 55 anos que o DIÁRIO noticiava o caso de um triplo homicídio ocorrido no Beco dos Frias, freguesia de São Pedro. Foi um dos crimes mais brutais registados na Madeira e a sua investigação constitui um marco para a Polícia Judiciária do Funchal.

Segundo relata a notícia publicada a 21 de Junho de 1968, o alarme foi dado logo pela manhã do dia 20, na casa do n.º 23 do Beco dos Frias. Pelas 07h00, os vizinhos depararam-se com os corpos ensanguentados de duas mulheres no quintal da moradia. Eram de Maria Maurício de Abreu (74 anos), dona da casa, que já estava morta, e da sua irmã, Júlia Maurício (60 anos), encontrada com ferimentos muito graves. Dentro de casa, “jogado no chão, amordaçado e vendado”, encontrava-se o marido de Maria Maurício, Manuel de Abreu (89 anos). Aparentemente, as duas mulheres tinham sido alertadas para um barulho de madrugada, vieram ao quintal ver o que se passava e aí foram agredidas com um instrumento contundente-perfurante, possivelmente uma picareta. As primeiras suspeitas apontavam que o móbil do crime seria o roubo, pois os objectos no interior da casa encontravam-se revolvidos.

Este “crime verdadeiramente selvático”, pouco comum na Madeira, prendeu a atenção tanto da população como das autoridades policiais, pois não havia testemunhas e as pistas eram escassas. Ainda por cima, a vítima Júlia não recuperou a consciência e faleceu dias depois. O mesmo veio a acontecer com Manuel de Abreu, que já antes do crime tinha um estado de saúde precário.

É preciso consultar as reportagens do DIÁRIO das semanas seguintes para se perceber o que se tinha passado. A investigação do caso constituiu um imenso desafio para a PJ, tendo sido ouvidas cerca de 200 testemunhas. Desde logo, os agentes chegaram à conclusão que o móbil do crime não seria o roubo, pois muitos objectos de valor na casa continuavam no seu lugar. O agressor parecia conhecer perfeitamente o local e teria querido deixar essa aparência de assalto.

Por outro lado, os agentes notaram que Maria Maurício foi agredida barbaramente e as outras duas vítimas tinham sido relativamente poupadas. Apuraram depois que Manuel de Abreu casara em segundas núpcias com a criada, Maria Maurício, a quem deixara todos os bens em testamento. Se morresse primeiro o marido, apenas os familiares da mulher seriam beneficiários. Por outro lado, a mulher não morria de amores pelos parentes mais próximos do marido, sobretudo alguns sobrinhos, afastando-os de sua casa, com receio que desfizessem o testamento. No interrogatório a esses familiares, as declarações de um sobrinho, Manuel Teles de Abreu, levantaram dúvidas e fizeram com que se tornasse no único suspeito. Só ao fim de um mês de interrogatórios, o homem cedeu e confessou o crime.

Foi tal a importância que a Polícia Judiciária atribuiu à resolução do triplo homicídio no Beco dos Frias que o respectivo director nacional viajou propositadamente de Lisboa para a Madeira para participar na conferência de imprensa realizada a 19 de Agosto de 1968.

Manuel Teles de Abreu, de 57 anos, tinha a profissão de vendedor de cautelas de lotaria, era natural de São Pedro e residente na Rua dos Arrifes. Apesar de ter apenas a instrução primária, “não era um criminoso vulgar”. Apresentava “uma capacidade intelectual fora de série” e era um ávido leitor de livros de psicanálise, filosofia, espiritismo e ioga. “Dotado de poderes hipnóticos, conseguiu através do seu poder de concentração aguentar, durante dias e dias, intermináveis interrogatórios, e até ia por duas vezes conseguindo a pequena ‘brincadeira’ de quase hipnotizar o agente que o interrogava”, descreve o DIÁRIO.

A Polícia Judiciária explicou que se deparou com “um criminoso diferente, estranho e desconcertante”. Manuel Teles de Abreu, após quase trinta dias de intensos interrogatórios, “ia esgotando os homens da Justiça, que se revezavam entre si para tentarem quebrar o auto-domínio e a segurança impressionante do arguido, que se esquivava com uma maleabilidade inacreditável à chuva de perguntas que matraqueava aos seus ouvidos”.

Segundo referiu a PJ, o homem estudou detalhadamente a forma como deveria actuar antes da “consumação dos seus vis objectivos”, pois “tinha por finalidade praticar um crime perfeito”.

O julgamento do cauteleiro decorreu no ano seguinte e a decisão do tribunal do Funchal foi conhecida ao meio-dia de um sábado, 12 de Abril de 1969: Manuel Teles de Abreu foi condenado a 30 anos de prisão e a pagar 100 contos às famílias das vítimas.

No dia em que noticiou o acórdão, o DIÁRIO referia que o triplo homicídio do Beco dos Frias tinha sido “o caso de mais difícil apuramento” que até então tinha passado pela PJ do Funchal e que ficaria “para a história da criminologia madeirense”. E, de facto, nos últimos 100 anos, apenas há conhecimento de outro triplo homicídio, ocorrido na noite de 12 de Agosto de 2017, em Santana, quando um homem matou os pais e a irmã com tiros de caçadeira. Foi condenado à pena máxima de 25 anos de prisão.