Será verdade que foi nos governos de Jardim que se começou a solucionar a marina do Lugar de Baixo?
No momento em que decorrem os trabalhos de “renaturalização” da marina do Lugar de Baixo, o ex-presidente do Governo Regional veio a público assinalar que “a iniciativa de renovar” aquela zona foi dos seus executivos e culpou o PS por “inviabilizar as condições para o investimento privado” no local, através de um processo no Tribunal Constitucional. Mas será que foi mesmo assim?
Desde logo, a declaração de Alberto João Jardim incorre numa imprecisão quando equipara os planos dos seus executivos para a recuperação daquela infraestrutura marítima com aquilo que o Governo de Miguel Albuquerque colocou agora em marcha.
Recorde-se que a marina do Lugar de Baixo foi inaugurada a 14 de Outubro de 2004 e só foi utilizada durante alguns meses, pois em Fevereiro de 2005 ondas gigantescas destruíram o molhe de protecção, os pontões e os estruturas de amarração de embarcações, inviabilizando a sua utilização. O problema de concepção nunca foi ultrapassado, apesar das dezenas de milhões de euros gastos em posteriores tentativas de correcção. Também foram anunciados esboços de projectos para utilização do espaço.
Logo em 2005, o Governo Regional fez aprovar na Assembleia legislação que abria caminho à cedência da exploração da infraestrutura por privados. Em 2008, o DIÁRIO revelou que o Grupo Pestana estava em negociações com o executivo para ficar com a exploração da área, tendo planos para obras que compreendiam a construção de um hotel com 80 a 100 quartos, uma área imobiliária turística e a redução dos postos de amarração na marina.
Mais tarde, em meados de 2014, surgiu a ideia de ceder o espaço para a construção de um parque aquático de espectáculos com golfinhos, ao estilo do Zoomarine existente em Albufeira, Algarve. Ambos estes projectos tinham objectivos comerciais/empresariais e reaproveitavam parte das infraestruturas inauguradas em 2004.
Ora o projecto que o governo de Miguel Albuquerque colocou em andamento já no decorrer de 2023 é algo completamente diferente. A “renaturalização” consiste na demolição dos edifícios construídos há 19 anos e na remoção de ferros e estruturas de betão que possam constituir perigo para a população, que ali poderá voltar a fazer praia a partir de Julho, numa zona que voltará a estar acessível e de forma gratuita.
A declaração de Alberto João Jardim tem, no entanto, um lado verdadeiro. A solução que estava a ser negociada entre o Governo Regional e o Grupo Pestana foi efectivamente inviabilizada por um acórdão do Tribunal Constitucional (TC), na sequência de um requerimento de 25 deputados do PS à Assembleia da República. O plano do executivo madeirense passaria pela cedência de uma parcela de 46.500 metros quadrados na área do domínio público marítimo à Sociedade de Desenvolvimento Ponta Oeste, sendo que esta última entidade constituiria uma empresa conjunta com o Grupo Pestana para a construção de um empreendimento turístico-imobiliário.
Os deputados socialistas no parlamento nacional, incluindo os três eleitos pelo círculo da Madeira (Maximiano Martins Ricardo Freitas e Júlia Caré), consideraram que os diplomas regionais que constituíam a base legal daquele negócio violavam a legislação e a Constituição e, em Julho de 2006, quando ainda não era público que o privado interessado em gerir a infraestrutura era o Grupo Pestana, requereram a sua apreciação pelo TC. O acórdão chegou a 16 de Dezembro de 2009 e declarou inconstitucional a norma do decreto legislativo regional que permitia ao Governo Regional autorizar a desafectação dominial e a integração no património de uma sociedade de capitais exclusivamente públicos das faixas do domínio público marítimo. E assim gorou-se o projecto que estava em perspectiva.