Uma centena de advogados protesta em Lisboa contra revisão do Estatuto
Mais de uma centena de advogados concentrou-se hoje no Campus de Justiça, em Lisboa, para protestar contra a revisão do estatuto da sua Ordem profissional.
Com os manifestantes colocados por imposição dos agentes da PSP a 100 metros da entrada do Tribunal Central Criminal de Lisboa, a bastonária da Ordem dos Advogados (OA), Fernanda de Almeida Pinheiro, indignou-se com as restrições lembrando que "o tribunal é a casa da advocacia" e que o seu acesso não pode ser vedado à classe.
"Nós temos o direito de nos manifestarmos contra a ignomínia e de individualmente resistirmos àquilo que é uma flagrante afronta aos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos", declarou a bastonária, aludindo às alterações ao Estatuto da Ordem avançadas pelo Governo.
Na altura, Fernanda de Almeida Pinheiro mostrou-se esperançada que numa conferência de imprensa marcada hoje pelo Governo sobre o tema das Ordens Profissionais, o executivo venha a recuar nas suas pretensões, considerando que isso significaria "bom senso".
"Não faz sentido retirar atos que são próprios dos advogados e solicitadores", realçou a bastonária, alertando que as alterações propostas pelo Governo permitem que pessoas sem cédula de advogado, organismos e sociedades comerciais possam praticar atos até agora exclusivos daqueles profissionais, como sejam elaboração de contratos, cobrança de dívidas e consulta jurídica.
Segundo Fernanda de Almeida Pinheiro a profissão de advogado "não pode ser exercida por quem não tem a competência técnica adequada para o fazer, nem o conhecimento deontológico para a exercer".
Esta revisão do estatuto da OA é classificada pela bastonária como "tentativa absolutamente ignóbil do Governo e do Ministério da Justiça de permitir que tal afronta aos direitos dos cidadãos ocorra, comprometendo inclusivamente o acesso igual de todos as pessoas à justiça".
A bastonária alertou que "numa altura em que tanto se fala de uma justiça para ricos e outra justiça para os pobres, com estas alterações quem tiver condições económico-financeiras naturalmente que continua a recorrer aos advogados que são quem têm competência técnico-jurídica para tratar do aconselhamento especializado, ficando as restantes pessoas com menos dinheiro à mercê de sabe-se lá de quem".
A bastonária referiu que ordens congéneres de outros países europeus já chamaram a atenção do Governo português para a "falta de respeito" e para os perigos que esta revisão do estatuto da Ordem dos Advogados comporta para os direitos e a defesa dos cidadãos.
Fernanda de Almeida Pinheiro aproveitou para criticar a política governamental para o setor da justiça, não só relativamente aos advogados, mas também quanto aos funcionários judiciais, que estão em greve desde janeiro, afetando o andamento de 50 mil diligências processuais.
Para a bastonária da OA, a política do Governo está a "afundar a justiça", numa altura que, disse, há mais de 30 milhões de atos por praticar por parte dos funcionários judiciais que estão em luta por questões de carreira e outras.
A bastonária dirigiu-se posteriormente com um pequeno grupo de advogados até ao interior do tribunal, onde, simbolicamente, lavrou uma ata de protesto.
Neste protesto, os advogados "pedem respeito pela autonomia da Ordem dos Advogados, como associação de cidadãos que são advogados e que não aceitam ser funcionalizados pelo Estado".
Na semana passada, os advogados manifestaram-se também contra as alterações ao estatuto da OA, numa carta aberta dirigida ao Presidente da República, primeiro-ministro e presidente da Comissão Europeia em que apontam um "retrocesso civilizacional" no acesso ao direito.
"Permitir que a consulta jurídica, a elaboração de contratos e a negociação de créditos possam ser livremente praticadas por pessoas singulares ou coletivas sem a competência técnica para o efeito, nem sujeitas a regras éticas e deontológicas perfeitamente definidas, é permitir que os direitos dos cidadãos fiquem completamente desprotegidos e à mercê de táticas mercantilistas, que visam não a defesa dos interesses do cidadão mas sim o próprio lucro de quem presta os serviços", diz OA na carta aberta.