Mali pede ao Conselho de Segurança "retirada imediata" da missão de paz da ONU
O Governo do Mali pediu hoje ao Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU) a retirada "imediata" da missão de paz no país (Minusma), num momento em que faltam duas semanas para a votação da renovação do seu mandato.
O ministro das Relações Exteriores do Mali, Abdoulaye Diop, falou perante o Conselho de Segurança e avaliou que a Minusma "se tornou parte do problema" do país e que tem despertado "grande desconfiança" entre a população e o Governo.
"O Governo do Mali exige a retirada imediata de Minusma. No entanto, o Governo está disposto a cooperar com as Nações Unidas nessa perspetiva", disse Diop, rejeitando todas as opções para a evolução do mandato da missão propostas pelo secretário-geral da ONU, António Guterres.
De acordo com o ministro, a situação no país em 2023 é pior do que há dez anos -- quando a Minusma foi implementada - o que demonstra o "fracasso" da missão.
A reunião de hoje do Conselho de Segurança decorreu num momento de negociações sobre a renovação do mandato da Minusma, que termina em 30 de junho.
A missão tem enfrentado grandes desafios, sendo que, desde o ano passado, vários países contribuintes com tropas retiraram-se ou anunciaram os seus planos de deixar a missão.
Além disso, o país está imerso numa campanha política para aprovar no próximo domingo, em referendo, uma nova Constituição que dê legitimidade ao Governo militar, que chegou ao poder após um duplo golpe de Estado em 2020 e 2021 e que prometeu entregar o poder aos civis em março de 2024.
A Minusma não só é a missão mais perigosa da ONU - acumula 192 mortes em ataques terroristas nesta década -, como enfrenta ainda repetidas restrições das autoridades do Mali à sua liberdade de movimento e à sua capacidade de informar sobre direitos humanos.
Nesse sentido, os Estados Unidos da América (EUA) criticaram hoje o "comportamento obstrucionista" do Governo de transição do Mali, a quem acusam de negar 170 pedidos de autorização de voo da Minusma.
Na reunião dedicada especificamente à Minusma, o diplomata norte-americano Jeffrey DeLaurentis disse estar especialmente frustrado com as restrições contínuas do Mali contra a liberdade de movimento e acesso da Minusma, apontando ainda que o Governo de transição também negou quatro dos cinco pedidos da missão para investigar no terreno denúncias de violações e abusos de direitos humanos.
"Apesar dessas restrições -- que violam o Acordo de Estatuto das Forças do Mali -- elogiamos a Minusma por conduzir dezenas de outras investigações usando ferramentas forenses remotas amplamente aceitas", afirmou, referindo-se aos relatórios sobr abusos e violações de direitos humanos cometidos pela Forças Armadas do Mali (Fama) e pelo Grupo Wagner em março passado em Moura.
"A capacidade da ONU de esclarecer abusos e violações, apesar de tal obstrucionismo, reforça a importância do mandato da Minusma de promover e proteger os direitos humanos no Mali", defendeu DeLaurentis.
Por outro lado, Abdoulaye Diop lembrou que a Minusma foi destacada para o país para apoiar as autoridades malianas na estabilização do país e garantir a paz e segurança, bem como impedir o regresso de grupos armados, mas a luta contra o terrorismo é principalmente responsabilidade do Governo e não da missão da ONU.
De acordo com o ministro, também o trabalho da missão na monitorização dos direitos humanos sofre de instrumentalização e politização.
Em 25 de maio, milhares de pessoas manifestaram-se na capital do Mali, Bamako, para exigir a retirada da Minusma do país africano, a qual qualificaram como uma "força de ocupação", intensificando o clima cada vez mais hostil para a missão.
Em 30 de junho deve ser votada a renovação do mandato do Minusma, mas parece improvável que seja renovado, especialmente quando os embaixadores da Rússia e da China enfatizaram hoje no Conselho a necessidade de ter em conta a opinião e as prioridades do Governo do Mali, assim como a sua vontade de redefinir a sua relação com a missão.
Sobre a presença de mercenários russos do grupo Wagner - que os Governos ocidentais consideram um instrumento do Kremlin -, Diop defendeu que o Mali "continua disposto a cooperar com outros parceiros que respeitem" a sua "soberania, opções estratégicas e interesses vitais", sem referir diretamente o nome do grupo.
As Nações Unidas confirmaram hoje que 1.002 civis foram mortos e outros 445 feridos pela violência registada no último ano no Mali.
Além disso, a violência no Mali deixou, na última contagem em abril deste ano, um total de 375.539 deslocados internos, menos 8,9% do que o número de 412.387 registado em dezembro de 2022.