Arguido do caso do Monte assegura que árvore não mostrava “sinal de instabilidade”
O julgamento do caso da queda da árvore do Monte foi retomado, esta manhã, no Juízo Central Criminal do Funchal (Edifício 2000), após um interregno de dois meses desde a primeira sessão, devido à greve dos funcionários judiciais, agora já com a presença dos arguidos Idalina Perestrelo e Francisco Andrade no tribunal. A sessão ficou marcada pelas primeiras declarações do arguido Francisco Andrade, que afirmou que o carvalho que causou a tragédia não apresentava sinais de instabilidade e apontou como possível razão da sua queda a movimentação do solo causada pela trepidação relacionada com o fogo dado durante a festa do Monte.
“Nunca detectei qualquer indício ou sinal de que pudesse haver alguma instabilidade com o carvalho”, afirmou o arguido, que a 15 de Agosto de 2017 era chefe de divisão de Espaços Verdes Urbanos da Câmara do Funchal, que estava incumbido da gestão da área onde ocorreu o acidente e que fez uma exposição detalhada das suas funções e da forma como faz a inspecção das 8 a 9 mil árvores do Funchal que tem à sua responsabilidade. O engenheiro agrícola, que sublinhou não ser "um especialista em arboricultura", explicou que tinha uma equipa permanente de 5 funcionários nos jardins do Monte e que não recebeu alertas para o risco de queda da referida árvore.
Francisco Andrade reconheceu que o carvalho apresentava uma inclinação para o lado do Largo do Monte, mas disse que isso não representava necessariamente um sinal de perigo de queda, já que a árvore compensa esse desequilíbrio com a sua tracção. Referiu mesmo que “praticamente todas” as árvores da mesma encosta apresentam uma inclinação natural, devido à competição pela luz solar.
A juíza Joana Dias, que preside ao colectivo neste julgamento, lembrou que foi detectada uma “pequena podridão” na respectiva raiz. A esse respeito, o arguido referiu que aquele problema foi detectado só após a queda do carvalho e que “é normal as árvores terem podridão e fungos” e que estes, ao contrário do que pode ser a ideia comum, “não são necessariamente prejudiciais” porque têm uma função natural.
Face a estas justificações, a mesma magistrada perguntou ao arguido qual foi o motivo da quebra na raiz que fez cair o carvalho. Francisco Andrade declarou não ter “100 por cento de certeza sobre a causa da queda da árvore” mas tem “suspeitas” de que “a causa mais fidedigna poderá ter sido o fogo-de-artifício e a trepidação”. O engenheiro agrícola descreveu que a árvore estava implantada numa zona de cascalheira e que a trepidação poderá ter provocado a movimentação de sedimentos, abrindo “vazios” na área das raízes.
A juíza Carla Meneses confrontou o arguido com um relatório do Instituto das Florestas que, cerca de dois anos antes da tragédia, recomendou uma verificação à área envolvente ao Largo do Monte. Francisco Andrade assumiu que não considerou tal possibilidade.
Na introdução às suas declarações, que preenchem toda a sessão da manhã, Francisco Andrade descreveu a extensão das suas responsabilidades na autarquia na altura do acidente. Coordenava uma divisão responsável por 300 mil metros quadrados de jardins, 750 hortas urbanas, 4 cemitérios municipais e património arbóreo constituído por 8 a 9 mil árvores. Era quem dava orientação a todas as equipas e brigadas, constituídas por 130 trabalhadores (só assistentes operacionais e técnicos, sem qualquer técnico superior).
A parte inicial das suas declarações serviu para partilhar o impacto que a tragédia do Monte teve na sua vida: "Relativamente ao dia 15 de Agosto, quero, em meu nome pessoal, manifestar a minha total solidariedade e respeito para todas as vítimas e familiares. Lamentar aquilo que aconteceu. Uma situação totalmente imprevisível. Nada fazia prever a queda daquela árvore, muito menos naquele dia e naquela hora. Ainda hoje tenho alguma dificuldade em perceber a razão da minha pronúncia e estar neste julgamento. Depois de ter visto durante toda a instrução os relatórios técnicos, ficou provado que a árvore não tinha qualquer problema e estava em boas condições. Ainda hoje não foi provada a causa da queda daquela árvore".
"Tenho duas filhas e uma mulher maravilhosa. Durante estes anos, desde 2017, fui alvo de situações extremamente incómodas, com insultos, ameaças, intimidações no espaço público, telefonemas anónimos. Uma panóplia. Ser intitulado na escola da minha filha como o assassino do Monte", lamentou o mesmo arguido.