China deve "reflectir" sobre a sua relação com Moscovo
Pequim deve refletir sobre a sua relação com Moscovo, apesar da rivalidade comum com o Ocidente, defenderam hoje analistas chineses, numa altura em que a China enfrenta críticas, devido à posição ambígua na guerra na Ucrânia.
Liu Weidong, investigador no Instituto de Estudos Americanos da Academia Chinesa de Ciências Sociais (CASS), argumentou que Moscovo tentou "aproveitar-se" de Pequim, antes e depois do início do conflito.
"A Rússia está a tentar usar unilateralmente a China, mas não quer ser usada pela China", observou o académico, durante um fórum organizado pela Academia Nacional de Desenvolvimento e Estratégia da Universidade Renmin, situada no norte da cidade de Pequim.
Em fevereiro de 2022, duas semanas antes do início da invasão russa, os líderes russo e chinês, Vladimir Putin e Xi Jinping, respetivamente, proclamaram uma "amizade sem limites" entre os dois países, durante um encontro em Pequim.
A declaração conjunta opôs-se ao alargamento da NATO na Europa de leste, numa tomada de posição inédita por um líder chinês sobre a arquitetura de segurança europeia.
Desde o início da guerra na Ucrânia, a China manteve uma posição ambígua, na qual apelou ao respeito pela "integridade territorial de todos os países", incluindo a Ucrânia, e atenção às "preocupações legítimas de todos os países", em referência à Rússia.
"O que a [China] quer é uma cooperação com benefícios mútuos sob a premissa do não-alinhamento", disse Liu, questionando se a relação sob esses termos pode ser alcançada com Moscovo.
O investigador afirmou que os Estados Unidos estão a tentar unir os dois países em várias questões, visando induzir uma aliança entre Pequim e Moscovo.
Se tal aliança for estabelecida, acabará por resultar numa "exaustão mútua, em vez de cooperação", previu.
A invasão da Ucrânia pela Rússia colocou a amizade "sem limites" entre Pequim e Moscovo sob observação atenta e a China enfrenta pressão crescente, devido à sua recusa em condenar a Rússia.
A China partilha com a Rússia a defesa por uma nova ordem mundial multipolar, apontando a redistribuição de poder, em contraposição com a "hegemonia" norte-americana. Pequim enfrenta também um sistema de alianças norte-americano juridicamente vinculativo na região do Indo-Pacífico, que inclui Japão, Austrália ou Taiwan, a ilha que Pequim reivindica como uma província sua.
Mas as ações russas violam princípios de longa data da China em questões de soberania, integridade territorial e não interferência.
A China não reconheceu a Crimeia ou as outras quatro regiões anexadas da Ucrânia como território russo, mas a guerra e as subsequentes sanções ocidentais contra Moscovo não impediram que os laços entre os dois países vizinhos se fortalecessem em várias áreas.
O comércio bilateral entre a China e a Rússia subiu 40,7%, nos primeiros cinco meses do ano, face ao mesmo período do ano anterior.
Durante o mesmo período, o comércio entre os EUA e a China - as duas maiores economias do mundo - encolheu 12,3%, de acordo com os últimos dados divulgados pela Administração Geral das Alfândegas da China.
Altos funcionários dos dois países concordaram também em realizar mais exercícios conjuntos, apenas alguns dias após aviões militares chineses e russos terem realizado uma missão de patrulha conjunta sobre os mares do Japão e do Leste da China.
Zuo Xiying, professor de relações internacionais da Universidade Renmin, argumentou também que a China deve equilibrar o seu relacionamento com a Rússia, como forma de neutralizar a estratégia de Washington de unir os países aliados para conter Pequim.
"A China não deve ficar nem com a Rússia nem com o Ocidente. Em vez disso, a China deve estar numa posição que priorize os seus próprios interesses nacionais", afirmou.
China e Rússia concordaram, em março passado, em fortalecer a cooperação a nível militar, visando aumentar a confiança mútua entre as suas Forças Armadas, de acordo com um comunicado conjunto, emitido após uma reunião no Kremlin entre Xi e Putin.
Pequim enfrentou várias críticas dos países ocidentais, que acusam a China de não fazer o suficiente para levar Moscovo a procurar uma solução pacífica para a guerra.
Liu disse que a China deve ser mais flexível ao lidar com confrontos entre blocos cada vez mais óbvios e competir com os EUA por "amigos".
O académico acrescentou que países que costumavam estar relutantes em escolher um lado na rivalidade China - EUA, como Japão e Coreia do Sul, estão agora firmemente alinhados com Washington.
A China deve "fazer amizade com mais países", urgiu.
"Os Estados Unidos, como a potência 'número um', estão a fazer amigos, por isso é ainda mais necessário competir com os Estados Unidos por amigos", disse Liu.